"Os amores são como impérios: desaparecendo a ideia sobre a qual foram construídos, morrem junto com ela".
Não
sei se Milan Kundera gosta de futebol. Uso esta frase do autor de 'A
insustentável leveza do ser', para tentar entender o 'desespero' com o
'fim' de Messi, Guardiola e do melhor Grêmio de minha vida. Será que o meu desancanto da paixão está ligado ao 'fim'?
Mauro Pandolfi
Ainda
não esbarrei na paixão do teatro de grama após a volta do futebol. A
dor da derrota, sim. Massacrou forte a alma. Foi lancinante,
angustiante, perversa. Em quatro dias, as poesias mais belas do futebol,
aquelas provocadoras do reencontro com o Maurinho, desapareceram. Não
por completo. Deixaram resíduos. Retalhos, pedaços, ruínas, que vão me
consumindo devagar, aos poucos, para serem mais crueis. Messi, Guardiola,
Grêmio de Renato - Luan, incluído - pertencem ao meu baú, onde guardo a
eternidade. De tempos em tempos, abrirei. Para matar a saudades e
encontrar a paixão, que está desaparecida. Espero que não tenha morrido
de tristeza neste fim de semana.
Messi no canto
do campo. Exilado, alheio ao jogo. A tevê explora o seu rosto. É de um
homem destroçado. Sete a dois é o placar. O Bayern passeia, tripudia um
Barcelona, inerte, atordoado, entregue, dolente. Messi encara o árbitro.
Parece pedir ajuda, o final do jogo. O olhar complacente do juiz não
impede o oitavo gol, de Philipe Coutinho. Num gesto de compaixão,
Coutinho não festejou o gol. Respeitou o lendário craque argentino. Fim de jogo. A
tevê acompanhou Messi. Distante, plangente, Lionel era um tango tocado
em silêncio.
Há tempos que o Barcelona é um
resquício do que foi. A frágil estruturação tática, o envelhecimento dos
pílares, os pífios treinadores, se sustentavam na genialidade de Lionel
Messi. Ele tentou, lutou, foi grande, mas, perdeu. O 8 a 2 marca o fim
de dois 'impérios': o Barcelona, planejado por Cruyff, armado por Pep
Guardiola, é só lembrança. O jogo contra o Bayern apagou os resíduos que
existia na Catalunha; Messi, assim como Cristiano Ronaldo, não tem mais
a magia poética de inventar soluções, saídas
impossíveis, furar as linhas com passes e dribles. Só terá brilho, com um time jovem ao redor e uma
estratégia bem definida, onde será somente 'o maestro'. Raramente, solista. Nunca mais o
criador do jogo e do resultado. Nunca perderá o encanto.
Pep
Guardiola é um autor a procura de um 'texto'. Uma ideia que renove
tudo, outra vez. Guardiola é a negação do comum, do trivial. Rejeita,
como sempre rejeitou, o burocrático, o previsível. Nunca antes na
história, o futebol foi tão bem jogado. Ele é o idealizador. Nem
Einstein desvendeu o espaço e
tempo. Compactação, movimentos, velocidade, trocas de função, as linhas
formando figuras geométricas, como um cubismo mágico e a bola
nos pés. Quem tem a bola, tem o jogo. E, o Barcelona reinventou a arte
do futebol. E, daí, tudo virou paixão.
Guardiola parecia um Merlin. Criou
estratégias que confundia' o adversário. Estabeleceu conceitos, criou
artimanhas e inventou segredos. Aos poucos, o 'enigma de Guardiola foi
sendo decifrado. Não ganhava mais como antes. Os segredos não eram mais secretos.
E, nem as novas ideias eram tão revolucionárias. Pep ainda tenta ser genial.
Está longe de ser um treinador vulgar. Porém, na derrota para o Lion
havia só resíduos do extraordinário Guardiola. E, por instantes, foram luminosos.
O
Grêmio ainda toca a bola. Mais atrás, mais para o lado, falta quem fure
a linha, como Luan ou Everton. Agora, a jogada é a bola alta em busca de Diego
Souza. Jean Pierre ficou isolado, exilado no campo. Não há mais a
parceria que desequilibrava o jogo. Tem de armar, criar o espaço e
finalizar. Raramente tem conseguido. Falta alguém. O Luan de 2017 seria o
parceiro ideal. Pena que Renato não percebeu isto. Luan me encantava
pelo jogo sólido, belo, envolvente e a melancolia no olhar, nas
passadas largas. No sábado, só encontrei a melancolia. Se há vestígios
em Messi, em Guardiola, no Grêmio de Renato, não percebi resíduos em
Luan. Isto é o mais triste nesta paixão desaparecida.
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