"O homem é uma corda esticada entre o animal e o superhomem, uma corda por cima do abismo".
Poucos
decifram tão bem esta frase de Friedrich Nietzesche como Lionel Messi.
Ele tenta desmanchar os nós da 'corda' ao se mostrar humano demais.
Mauro Pandolfi
O
tango de Gardel é a trilha sonora desta Seleção Argentina. Todo jogo é
dolorido, brigado, dramático, desesperado. Domingo, contra o Catar, foi
um pouco diferente. Mais bailado feito um de tango de Piazzola. Nuances
de um outro tempo. Dribles, lances isolados, negaceios, arrancadas,
chutes. Um deles está marcado na minha memória para sempre. Bola no
canto do campo. Uma pequena tabela, um drible e um passe preciso. A bola
procurava Messi. Encontrou! Ele enquadrou o corpo, achou o equilíbrio e
chutou...'Meu Deus!', bradou o narrador. 'Você nunca imaginou que diria
isto para Messi, hein?', ironizou o comentarista. A bola longe, muito
longe, distante do gol, perdida, sem rumo. Lionel sorriu. Surgiu a
grande virtude de Messi. Ele é humano! Demasiadamente, humano! O mundo
do futebol não perdoa os 'deuses' que se humanizam. Contesta o talento,
cobra as performances, exige títulos, expõe os fracassos, fragiliza o
homem. Hoje, 24 de junho, Lionel Messi está de aniversário. 32 anos!
Ufa! Mais um ano e estaria pronto para ser crucificado.
Há
algo que aproxima Messi de Pelé e o afasta de Maradona. Pelé e Messi
foram educados', formados em uma escola magnífica de jogar futebol.
Garotos, entraram em times quase perfeitos, com jogadores primorosos ao
seu redor. Pelé estréia no Santos já montado, campeão, fabuloso. Ele
apenas acrescentou 'realeza'. Messi a mesma coisa. Deu uma beleza
poética ao extraordinário Barcelona de Guardiola. O que distingui Pelé
de Messi é a seleção. Pelé tinha uma corte de craques ao seu redor
vestidos de amarelo. Só para lembrar um, Garrincha. Mané dividiu o
reinado por alguns anos com Pelé. Messi não teve a mesma sorte. Nunca
teve um parceiro - um só! - perto do seu nível, com a sua rapidez de
raciocínio, com talento. Imagino se Lionel Messi tivesse naturalizado
espanhol logo que chegou, menino ainda? Quantos títulos mundiais teria?
E, o que seria da Argentina sem Messi? Um Equador, um Paraguai?
...e
Diego Maradona? Nunca teve um grande time ao seu redor. Surgiu no
minúsculo Argentino Jrs, foi 'despachado' do Barcelona e se tornou
imenso no Nápoli. O brilho maior é na seleção. Fracassa ao lado de Ramon
Diaz em 82. Arrebenta em 86, ao lado do filósofo Valdano. 'Tungaram' os
títulos de 90 e 94. Maradona é a junção de Pelé com Messi. Tem a fúria e
a força do Rei. A imposição 'autoritária, em campo. De Messi, tem a
poesia, a beleza do jogo, o encanto que provoca. E, há algo de Garrincha
em Maradona. A pureza do drible, a dureza do adversário, o desencanto
da vida. Talvez, explique a paixão dos argentinos por Maradona. Ele é o
humano que tornou-se Deus.
Tempos atrás vi um programa sobre
lobos. Uma alacatéia procurava abrigo e água. O mais forte, o líder ia
na frente. Passava a ideia da solidão. Com segurança, chamava os demais.
No final do bando, os mais velhos. A alcatéia chegou inteira ao seu
destino. Lionel Messi é um lobo solitário nesta seleção argentina. É o
primeiro a entrar em campo, o líder. A bola sempre o procura. É o
articulador e o finalizador. É o centro, o cérebro, o coração do time. A
viagem ao título é longa. Às vezes, como nesta Copa América, parece
perdida. A alcatéia vai se destruindo no caminho. Sobra apenas o lobo
solitário, ferido, amargurado, destroçado, que nunca desiste, resiste,
feito um superhomem ou um Deus, para conduzir ao abrigo seguro a bela
camisa azul e branco. "Desde que se fue. Triste vivo yo. Caminito amigo.
Yo también me voy..."
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