sábado, 15 de junho de 2019

Quem matou Don Quixote?



    "A força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo".
    Velho, na última fase da vida, melancólico, me sinto perdido, sem rumo, feito Don Quixote, no incrível delírio que vive o Brasil. O que me distingue do Homem de La Mancha é que não sei se quero, ou não quero, lutar contra os moinhos de vento. Pois, o resultado é o de sempre: a derrota!

    Mauro Pandolfi

    Ando pela rua, matando o tempo, observando os rostos e a pressa das pessoas. Quase sou atropleado por um motorista que não respeitou a faixa de pedestre. O palavrão quase escapou. Há tempos desisti de xingar. Estamos perdidos, naufrangando pela vida, esperando tediosamente o fim que nunca vem. No banco da praça, olhando os pombos andarem em círculo, penso na distopia que vive o Brasil. Uns dizem, que é uma depressão, um doença degenerativa sem cura, uma terra em transe. Amargo, cético, sem esperanças, penso na espiral histórica que estamos presos. Somos condenados a viver o mesmo, depois outro mesmo, voltando ao mesmo de outro tempo. Assim é a vida brasileira. Assim é o futebol brasileiro. bollssonaro e Felipão são personagens centrais deste tempo. De um tempo sombrio e sem sonhos. Fernando Diniz é uma espécie de Don Quixote. Lula, não. Há tempos deixou de ser Don Quixote. E, os sonhos tornaram-se apenas delícias de padarias.
    bollssonaro é o espelho de um pensar, de comportamentos que se confundem com a história deste país. É arrogante, boçal, autoritário, um típico farsante (militar, político, religioso), imbecil, desconfio que se pudesse, seria escravocrata. Um misto entre um bandeirante e um general. Ele tem orgulho em defender e representar o passado, que ele imagina 'glorioso' - que foi trágico.. Luís Felipe Scolari tem muito de bollssonaro. O seu passado navega na glória e no fracasso, que trata como um 'acaso'. bollssonaro é contestado pela estupidez que (des)governa o país, onde ministros defendem a 'Terra plana". Felipão, ainda não é aplaudido com entusiasmo pela crítica e torcida. Mas, suspeito que se Tite for dispensado, o nome da vez será Luís Felipe Scolari. Afinal, o 7 a 1 foi só 'um acidente'. A tese do 'apagão' ou 'acidente' venceu. Nada mudou. A mesma tática, o mesmo jogo, os mesmos medalhões, os mesmos olhares,... num mesmo ritmo de uma velha música de Ronnie Von.
    Renato Portaluppi foi o Don Quixote por instantes. Seu Grêmio maravilhoso, de toques rápidos, insinuantes, que amava a bola, que gostava de ficar com ela, de brincar, deixou vestígios. meros vestígios. Ninguém o seguiu.  Até o seu Grêmio se enquadrou no 'velho' futebol brasileiro. Não ama mais a bola. Os chutões reapareceram, a lentidão, a falta de movimentação, substítuiram a modernidade. O jogo de hoje é o do Palmeiras. Eficiente, cauteloso, com 'muita sorte com arbitragens', sem poesia, que lidera com folga o Brasileiro. Felipão disse que joga 'feito o Liverpol: vertical'.  Assim como analisou o 7 a 1, Felipão fica feliz com os seus enganos.
    Gosto dos times de Fernando Diniz. Nunca é vencedor. Dificilmente ganhará um título de expressão. Diniz é da estirpe de Marcelo Bielsa. Não monta times para ' ganhar' títulos. Prefere jogar, como jogam os meninos nas ruas, parques, campinhos. Ou jogavam? Não perco jogo do Fluminense. Gosto da ousadia de colocar os meninos que 'não estão prontos'. Como é bom ver João Pedro ou Marcos Paulo. Quem troca zagueiros por meias? Quem 'inventa' uma meia ofensivo, Caio Henrique, como lateral? Quem ama o futebol! Que vê o jogo pela poesia do jogo. Pela idéia do impossível, que deseja enfrentar os moinhos de ventos. Pena que Renato Portaluppi foi 'enquadrado' pelo sucesso, pelos títulos, por sonhar com a seleção. E, aí, não é lugar para Don Quixote.
    Citei Lula no início. Já fui petista, votei sempre em Lula, menos 2006 - já estava desiludido com a 'revolução' que não veio. As revelações das conversas de Moro e os procuradores mostram que ele é um preso político. Assisti e li todas as suas entrevistas. A primeira, para Mônica Bergamo e Florestan Fernandes, parecia um homem lúcido, conectado com o tempo, com outras idéias. Um novo Lula vem aí, feito um Nelson Mandela, pensei. A última, para Juca Kfouri e José Trajano, o retorno de velho Lula. O mesmo discurso, a mesma ideia que provoca devoção, delírio. A esquerda, a oposição, reencontrou o seu líder. Porém, Lula perdeu o espírito, que eu tanto gostava, de Don Quixote. Parece mais um cavalheiro qualquer. Não percebo sonhos, transformações em suas falas. Lula achou o seu moinho de vento: a 'esperteza' de Moro e sua gang. Não resta dúvida que perto de bollssonaro, Lula é um suspiro de liberdade, de avanços, de democracia. Mas, porque sempre o mesmo? Andando pela rua, buscando um rumo, noto a espiral histórica completando mais uma volta.
    Navegando pela internet descobri um filme de Terry Giliam, o mais alucinado do Monthy Python: O Homem que Matou Don Quixote. Um filme que sempre sonhou. Como nos outros filmes, Gilliam discute a arte e os artistas, a suave linha que separa loucura de sanidade, as mentiras e o que chamam de verdade, o sonho que naufraga no pesadelo, o delírio de viver, de encontrar um motivo para viver, a utopia perdida, um tempo distópico. Exatamente como o Brasil. A vida e o futebol.




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