terça-feira, 2 de julho de 2019

Quase...

 

"O craque não tem explicação. Ele é!"
O genial Tostão falando de uma 'entidade' tão fantasiosa como a mula sem cabeça. Mas, pensando bem, basta olhar as redes sociais para notar que mulas sem cabeças existem aos montes. Já os 'craques' continuam uma fantasia.

Mauro Pandolfi

Quase...
O Brasil é o país do quase. Sempre faltou pouco, muito pouco, quase nada para chegar onde sonhou. Quase foi o país do futuro. Da liberdade alegre, charmosa, que despertou o interesse do mundo pela sua diversidade ambiental, comportamental, lírica. Porém, tropeçou num passado que quase nunca passa.Que insiste em se eternizar na sua espiral histórica. Os seus 'ridículos tiranos', fardados ou não, de tempos em tempos, ameaçam a democracia, que nunca se completa, com seus arroubos fascistas, grotescos, primitivos. A democracia ficou no quase...pois a desigualdade social, econômica e política continua intensa, imensa e vergonhosa. Como este é um blog que fala de futebol, mudamos de saco, ou seja, de assunto. O Brasil é quase uma potência do futebol atual, da imaginação, da beleza, da criatividade, . Olha, já foi! Contam que era um tempo de craques em cada esquina, em cada time. Não sei se ausência de craques faz parte da espiral histórica ou a 'abundância' de craques foi somente uma história imaginada, por uma geração de narradores, comentaristas, jornalistas com um olhares poéticos, gentis, generosos, e vamos lá, mentirosos?
Num domingo sem Grêmio, dividi o dia e a noite em séries e programas esportivos. As séries são quase melhores que cinema atual. Tem uma temática menos juveniilista, mais adulta, menos heróica. Já os programas esportivos são idênticos aos da minha infância e juventude. Muita conversa, pouca reflexão, quase nenuma análise tática ou técnica e muita reclamação sobre a seleção brasileira. "Falta craque!' Quase todos os participantes concordam. 'O único que temos é Neymar. Mas, ele é bem inferior a Messi e Cristiano Ronaldo', argumenta um. 'Será que a comparação com eles é que injusta? Estão há dez anos no topo e não são ameaçados por ninguém? Por que? São os outros são muito inferiores? Eles ficam no quase!', suspeita outro. 'São todos comuns. Alguns mais, outros menos. Mas, comuns. Não são capazes de modificar o jogo, feito um craque verdadeiro', replica um terceiro. E, nomes são citados aos borbotões.
Buscam Pelé, Garrincha, Rivelino, Didi, Tostão passam por Zico, Sócrates, Falcão, chegam em Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e outros tantos. Os de hoje, entram na categoria de 'bons jogadores'. Será que existe esta imensa diferença ou é a falta de resultado que gera todo este debate? Nem Messi escapa. Alguém sempre lembra que ele não tem nenhum título com a Argentina. Tem sete finais e nenhuma vitória. Ficou no quase! Como ficaram no quase Platini, Zico, Cruyff, Boniek, Puskas, Junior, Leandro, Ramon Diaz, Valderrama, Eusébio, Gento, Van Basten...poxa! uma legião de craques sem títulos, com muita história, poesia e uma paixão despertada em amantes da bola. Eu, sou um deles! Fodam-se os títulos!
Não gosto do conceito craque. Ele é muito elástico, flexível, adaptável em qualquer circunstância. Mas, o que é o craque? O diferencial em um jogo, o que altera o ritmo, o que entende o espaço e o tempo, o maestro, o definidor por excelência. Pode aparecer num jogo ou numa temporada. Craque é um conceito amplo, geral e irrestrito. A história do futebol brasileiro é contada por nomes e não por um sistema de jogo. O pensar coletivo é uma ficção. Arma-se um time pelas individualidades, pela combinação de fatores, em último caso, pela química. É o craque que decide, que ganha. Nunca é o coletivo. Foi Pelé, Garrincha, Tostão, Romário, Ronaldo que venceram as copas. Não foi a equipe, não foi a idéia, nem a esquematização. Foi a ação individual. Nunca antes na história do futebol, o jogo foi tão solidário, tão estratégico, pensado nos ínfimos detalhes, estudados, dissecados, analisados os movimentos, a postura e a possibilidade tática do adversário. Ficou menos imprevisível, mais pragmática, menos poético, mais racional. A chance de alguém desmontar tudo isto ficou remota. Não impossível. O jornalista brasileiro, o torcedor, o amante da bola, suspira por uma individualidade - será que algum treinador permite esta individualidade ou todos estão presos na sistemática? -, por um drible. Aí, entram Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar, Éverton. Seria o Éverton 'Cebolinha' um Garrincha ou um Renato Portaluppi?
Pelo que joga no Grêmio e mostrou na seleção, ele é um 'quase'...

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