terça-feira, 16 de julho de 2019

Velho...

 

"Os velhos gostam de dar bons conselhos para se consolarem de já não estarem em estado de dar maus exemplos".
Demorei em concordar com François de La Rochefoucald sobre a velhice. Até o dia que faltou agilidade, rapidez em escapar do 'ataque' de um portão eletrônico que me machucou o peito, me imprensou no muro. Imagine o resto das coisas que a velhice faz...

Mauro Pandolfi



Me vi velho. Mais velho. Um ancião. A Mayara, minha sobrinha que espera para outubro a chegada de Geromel (o nome ela ainda não concorda, mas é uma questão de tempo), usou a minha foto no aplicativo de envelhecimento. Não mudou muito, Mais rugas, um pouco mais de gordura no rosto, que ficou bem arredondado, murcho, o cavanhaque muito branco e os parcos cabelos parecem flocos de neve. Durante o dia foi a diversão no whatsap da família. Olhei aquela foto durante a tarde toda. Fiquei pensando onde foi parar a juventude? Que fim levou a infância? O que restou do adulto até os cinquenta? A vida tem uma dinâmica igual ao futebol. Tem o tempo do drible, da ousadia, da diversão. Depois, o da sabedoria, do entendimento do jogo. E, por fim, o tédio de sempre ser o mesmo jogo, com as mesmos pensares, as mesmas soluções, a mesma rabujice do comentarista.
Perdi o jeito romântico que tinha. Percebi isto ao enxotar a borboleta pousada na porta da frente. Não reparei no tamanho, na envergadura das asas, nem nas suas cores. Apenas que ocupava um espaço que não era seu. Não fui rude. Fui suave. Com um jornal, tirei da porta e levei até o canteiro de flores aqui da 'pracinha'. Não tirei nenhuma foto para lembrança. Tenho algumas fotos das borboletas que invadiram a farmácia. Foi aí que entendi que o meu olhar romântico passou. Estou mais seco, cético, desesperançado, frio. Esta frieza aparece no futebol. Troquei o drible pelo passe, a improvisão pelo jogo pensado, estudado, planejado numa prancheta. Será um sinal de envelhecimento, de fim de uma paixão ou o tédio que o fim provoca? Nem sei se quero resposta.
Num sábado de chuva, assisti o filme 'Pelé, o nascimento da lenda'. O personagem é bem superior ao filme. Há uma discussão bem rodrigueana sobre a síndrome do 'viralata'. A inferioridade estava na ginga, na dança, no drible. Faltava o pensar do passe, da troca de passe, da seriedade. Pelé, ainda chamado de Dico, é cobrado pelo treinador do juvenil do Santos a abandonar a 'ginga', este imenso defeito tupiniquim, que nos deixa menor diante do europeu. A essência do filme é essa. A 'ginga', o drible, é o que nos torna subdesenvolvido. Na vida e no futebol. Como a vida imita a arte, a ginga é absolvida, e depois, endeusada, com a conquista da Copa da Suécia. A 'ginga', o drible, a dança, nos faz diferente, únicos. É a identidade brasileira. Também, virou o estereótipo que nos identifica, limita, nos folcloriza.
1958 foi um ano diferente do que 2019. Tempo do 'Novo' - do cinema e da poesia -, da música e da política, de um olhar generoso e futurista. O futebol acompanhava a transformação com a sua alegria, os estádios cheios, a multidão que cantava. O Brasil vivia 'os cinquenta anos em cinco', com um presidente sorridente e que tinha um plano - equivocado? - de tornar um país moderno pela indústria do automóvel. Pelo menos, tinha um plano. Em 2019, não há nada que lembre um país. Há um ajuntamento marcado pela intolerância, estupidez e o anestesiamento geral e irrestrito. A solução econômica é o emprobecimento dos brasileiros com as reformas equivocadas e um apelo ao capitalismo improdutivo, o rentismo que faz alegria dos milionários. Um presidente que só fala asneira, faz arminhas com as mãos, sem nenhuma ideia do que faz no planalto e um futebol que vive do sonho do passado. O aplicativo me deixou velho, saudoso de um jogo que não lembro mais como era ou que foi apenas uma ilusão de menino. Mayara, descubra um aplicativo que me devolva a juventude, a esperança no Brasil e o futebol do Vermelhão de Copacabana?


Nenhum comentário:

Postar um comentário