"Os velhos gostam de dar bons conselhos para se consolarem de já não estarem em estado de dar maus exemplos".
Demorei
em concordar com François de La Rochefoucald sobre a velhice. Até o dia
que faltou agilidade, rapidez em escapar do 'ataque' de um portão
eletrônico que me machucou o peito, me imprensou no muro. Imagine o
resto das coisas que a velhice faz...
Mauro Pandolfi
Me
vi velho. Mais velho. Um ancião. A Mayara, minha sobrinha que espera
para outubro a chegada de Geromel (o nome ela ainda não concorda, mas é
uma questão de tempo), usou a minha foto no aplicativo de
envelhecimento. Não mudou muito, Mais rugas, um pouco mais de gordura no
rosto, que ficou bem arredondado, murcho, o cavanhaque muito branco e
os parcos cabelos parecem flocos de neve. Durante o dia foi a diversão
no whatsap da família. Olhei aquela foto durante a tarde toda. Fiquei
pensando onde foi parar a juventude? Que fim levou a infância? O que
restou do adulto até os cinquenta? A vida tem uma dinâmica igual ao
futebol. Tem o tempo do drible, da ousadia, da diversão. Depois, o da
sabedoria, do entendimento do jogo. E, por fim, o tédio de sempre ser o
mesmo jogo, com as mesmos pensares, as mesmas soluções, a mesma rabujice
do comentarista.
Perdi o
jeito romântico que tinha. Percebi isto ao
enxotar a borboleta pousada na porta da frente. Não reparei no tamanho,
na envergadura das asas, nem nas suas cores. Apenas que ocupava um
espaço que não era seu. Não fui rude. Fui suave.
Com um jornal, tirei da porta e levei até o canteiro de flores aqui da
'pracinha'. Não tirei nenhuma foto para lembrança. Tenho algumas fotos
das borboletas que invadiram a farmácia. Foi aí que entendi que o meu
olhar romântico passou. Estou mais seco, cético, desesperançado, frio.
Esta frieza aparece no futebol. Troquei o drible pelo passe, a
improvisão pelo jogo pensado, estudado, planejado numa prancheta. Será
um sinal de envelhecimento, de fim de uma paixão ou o tédio que o fim
provoca? Nem sei se quero resposta.
Num sábado de
chuva, assisti o filme 'Pelé, o nascimento da lenda'. O personagem é bem
superior ao filme. Há uma discussão bem rodrigueana sobre a síndrome do
'viralata'. A inferioridade estava na ginga, na dança, no drible.
Faltava o pensar do passe, da troca de passe, da seriedade. Pelé, ainda
chamado de Dico, é cobrado pelo treinador do juvenil do Santos a
abandonar a 'ginga', este imenso defeito tupiniquim, que nos deixa menor
diante do europeu. A essência do filme é essa. A 'ginga', o drible, é o
que nos torna subdesenvolvido. Na vida e no futebol. Como a vida imita a
arte, a ginga é absolvida, e depois, endeusada, com a conquista da Copa
da Suécia. A 'ginga', o drible, a dança, nos faz diferente, únicos. É a
identidade brasileira. Também, virou o estereótipo que nos identifica,
limita, nos folcloriza.
1958 foi um ano
diferente do que 2019. Tempo do 'Novo' - do cinema e da poesia -, da
música e da política, de um olhar generoso e futurista. O futebol
acompanhava a transformação com a sua alegria, os estádios cheios, a
multidão que cantava. O Brasil vivia 'os cinquenta anos em cinco', com
um presidente sorridente e que tinha um plano - equivocado? - de tornar
um país moderno pela indústria do automóvel. Pelo menos, tinha um plano.
Em 2019, não há nada que lembre um país. Há um ajuntamento marcado pela
intolerância, estupidez e o anestesiamento geral e irrestrito. A
solução econômica é o emprobecimento dos brasileiros com as reformas
equivocadas e um apelo ao capitalismo improdutivo, o rentismo que faz
alegria dos milionários. Um presidente que só fala asneira, faz arminhas
com as mãos, sem nenhuma ideia do que faz no planalto e um futebol que
vive do sonho do passado. O aplicativo me deixou velho, saudoso de um
jogo que não lembro mais como era ou que foi apenas uma ilusão de
menino. Mayara, descubra um aplicativo que me devolva a juventude, a
esperança no Brasil e o futebol do Vermelhão de Copacabana?
Nenhum comentário:
Postar um comentário