Chiko Kuneski
Torcedor, depois de
anos sem sentar numa cadeira em campo acostumado a ver cada lance com atenção
redobrada na fria tela da TV, volta ao estádio. O jogo vale, o primeiro título
nacional depois de cem anos, o troféu máximo do centenário, o torcedor aos 99.
Sua última chance. Segundos decisivos. Bola na ponta esquerda virada parar a antagônica
direita, que volta para esquerda, ninguém parece querer definir o título da
história. Devolvem para o meio.
Cabeça erguida o camisa
10, vindo da base, só escalado na última hora por lesão do titular com o contrato
mais caro da história do clube, faz a bola subir para o meio da grande área. O
atacante chuta num sem pulo, goleiro ágil defende, a bola volta e o meia chuta certeiro, a trave devolve, a bola
bate no peito do zagueiro adversário, cai no pé do camisa 10, lado a lado com o peito que rebateu a bola, quase
por uma predestinação, de voleio estufa
as redes. A torcida em êxtase levanta grita, geme de prazer do gol do título.
O torcedor permanece em
seu estado catártico. Paralisado. Olhos fixos no árbitro com um dedo em riste
apertando a orelha. O neto pulando efusivo, pulando, gritando, suando, vira
para o avô que o ensinou a paixão pelo time e não entende. Sacode seus esqueléticos
ombros como a tentar tirá-lo de do estado gélido.
O time que o avô sempre amou chegando ao grande título, finalmente, em cem
anos. Quase toda a sua vida. O neto não consegue entender a letargia anciã no olhar que continua fixo no dedo do árbitro.
Entre tanta balburdia de alegria, gritos de felicidade, movimento, senta e fala
no ouvido do quase centenário homem:
- Porque não grita, não comemora, não se
agita, não vibra com o que sempre buscou?
O ancião sorri. E mantém
o olhar no dedo em riste do juiz. Olhar longe. Olhar perdido. Olhar fora de
sintonia e abraça o neto. Lembra da cena que gravou na sua memória analógica do
juiz diante do altar da tela digital, apagada, fazendo o sinal da cruz, que ele
só fez uma vez na vida pelo escudo do seu time por um descuido de adorador apaixonado, mostrando que o time era sua
religião. Acolhe-o em seus braços longevos. Voz rouca. Calma. Quase do final de
vida sussurra na balburdia:
- Estou esperando pelo
VAR.
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