domingo, 5 de maio de 2019

Esperando o cyber deus



Chiko Kuneski

Torcedor, depois de anos sem sentar numa cadeira em campo acostumado a ver cada lance com atenção redobrada na fria tela da TV, volta ao estádio. O jogo vale, o primeiro título nacional depois de cem anos, o troféu máximo do centenário, o torcedor aos 99. Sua última chance. Segundos decisivos. Bola na ponta esquerda virada parar a antagônica direita, que volta para esquerda, ninguém parece querer definir o título da história. Devolvem para o meio.

Cabeça erguida o camisa 10, vindo da base, só escalado na última hora por lesão do titular com o contrato mais caro da história do clube, faz a bola subir para o meio da grande área. O atacante chuta num sem pulo, goleiro ágil defende, a bola volta e  o meia chuta certeiro, a trave devolve, a bola bate no peito do zagueiro adversário, cai no pé do camisa 10,  lado a lado com o peito que rebateu a bola, quase por uma predestinação,  de voleio estufa as redes. A torcida em êxtase levanta grita, geme de prazer do gol do título. 

O torcedor permanece em seu estado catártico. Paralisado. Olhos fixos no árbitro com um dedo em riste apertando a orelha. O neto pulando efusivo, pulando, gritando, suando, vira para o avô que o ensinou a paixão pelo time e não entende. Sacode seus esqueléticos ombros como a tentar tirá-lo de do estado gélido.  
O  time que o avô  sempre amou  chegando ao grande título, finalmente, em cem anos. Quase toda a sua vida. O neto não consegue entender a letargia anciã  no  olhar que continua fixo no dedo do árbitro. Entre tanta balburdia de alegria, gritos de felicidade, movimento, senta e fala no ouvido do quase centenário homem: 

 - Porque não grita, não comemora, não se agita, não vibra com o que sempre buscou?

O ancião sorri. E mantém o olhar no dedo em riste do juiz. Olhar longe. Olhar perdido. Olhar fora de sintonia e abraça o neto.  Lembra  da cena que gravou na sua memória analógica do juiz diante do altar da tela digital, apagada, fazendo o sinal da cruz, que ele só fez uma vez na vida pelo escudo do seu time por um descuido de adorador  apaixonado, mostrando que o time era sua religião. Acolhe-o em seus braços longevos. Voz rouca. Calma. Quase do final de vida sussurra na balburdia:


- Estou esperando pelo VAR.









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