sexta-feira, 24 de maio de 2019

Brilho do olhar

 

"Do brilho no olhar cheio de desejos dos enamorados! Que vai se fechando, diminuindo ... no aproximar lento das bocas! E o que falar do brilho no olhar do estudante ao ver seu boletim escolar cravejado de boas notas. Ou de bons conceitos!.
Aldonei Machado tem o dom de provocar brilho nos olhos em suas conversas. Na sala de aula, como um intenso professor de história. Nas crônicas com textos sublimes, suaves, apaixonantes.

Mauro Pandolfi

Não é surpresa. Nem acidente. Muito menos, engano. É constatação. O fim anunciado chegou. Não há dúvidas. Há a certeza. O Grêmio perdeu o brilho nos olhos. Da equipe e dos torcedores. O jogo bonito, leve, suave, que ama a bola, é finito. Aquele bailado, da bola no pé, para outro pé, sem pressa, redonda, lírica, virou história. Faz parte da memória que espero nunca perder. Foi logo ali atrás, quase nenhum tempo passou. Mas não suporto tantas saudades! O jogo poético, brincado, declamado, encantado nunca esquecerei. Foi a melhor época que vivi como gremista. O último momento, o instante derradeiro, foi numa derrota. Aquela magia que parecia Barcelona de Messi ou o Santos de Pelé está marcada indelével em minha mente. Todos os dias, paro, penso, sonho, com aquele mísero tempo. Poucos, quase ninguém, lembrará dos minutos iniciais da derrota para o Fluminense. Foi uma despedida. Melancólica, triste, saudosa, como todas as despedidas.
Tento entender o fim. Devo voltar ao ponto de partida. Descobri o motivo do fim. O Grêmio forjou um time no talento. Escolheu um jeito de jogar. Gostou de brincar com a bola. Estabaleceu uma ideia, um conceito, um padrão. Armou uma equipe perfeita para a poética. Foi único. Jogou 'xadrez' - como diz Roger Machado - num futebol que joga 'damas ou jogo da velha'. Complexo e simples. Com a bola , brinca. Sem ela, tira o espaço e modifica o tempo da jogada. Compactou o time, acelerou o jogo, cadenciou o jogo, encaixotou o adversário, criou 'fantasias', mexeu na  estética, colocou o futebol brasileiro na mordernidade, ganhou títulos. Descobriu craques, reinventou jogadores, achou dois treinadores ousados. Um estudioso, Roger Machado. Outro, um prático: Renato Portaluppi. Dois magos, ilusionistas, vencedores.
O tempo não para. Nunca parou. Para como saudades ou memória. O Grêmio foi mudando o time. Saindo jogadores, como Walace. Veio Arthur. No lugar de Pedro Rocha, encontrou Everton. Demoraram para colocar Matheus Henrique na vaga deixada por Arthur. E Jean Pyerre entrou no espaço errado. É para jogar com Luan e não no seu lugar. E, quem diria que coadjuvantes, como Jael e Ramiro, fazem uma falta danada. Só agora descobri que eram o mecanismo da movimentação, a base e suporte do jogo. A metade do fim está aí. A outra, é o desmonte não percebido. Errou nas contratações. Apostou em veteranos. Os garotos, 'não estão prontos', brada Renato. Quem veio, joga diferente. Estavam acostumados com o jogo de 'damas'. Se perderam no 'xadrez'. Não tem o estilo, a movimentação e o amor em brincar com a bola. Renato foi alterando o sistema. A marcação alta sumiu. O toque refinado, desapareceu. O time ficou longo, previsível, burocrático. A queda tática está acompanhada da queda técnica. Como fazer triangulações com quem está acostumado com bola longas? Como tabelar com quem prefere o drible? Maicon, Léo Moura, Geromel e Cortez envelheceram. Luan está perdido numa solidão de campo e na melancolia da vida. Resta Éverton e seu talento. É pouco, muito pouco, quase nada. Perplexo, atônito, sei do que o Grêmio é capaz. Vai do infinito ao além, sobrevive nas aflitas batalhas da bola, ou, pior, namora com a zona do inferno.
A paixão não me permite a ausência com o Grêmio. Estarei na frente da tevê para o meu ritual de sempre. Mais tenso, mais preocupado, mais paciente, mais temeroso, ainda amoroso. Só que não terei o brilho nos olhos dos apaixonados. E, sim, a opacidade dos derrotados, o olhar angustiado do medo.. Mas, o medo, quando não medra, provoca a vida, a reação, a vitória. Quem sabe, Renato Portaluppi invoca mais um milagre. Os deuses que tem estátuas são capazes de tudo. Menos ficar acima de todos.

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