"Infância - A vida em tecnicolor.
Velhice - A vida em preto-e-branco".
Velhice - A vida em preto-e-branco".
A
singela poética de Mário Quintana pode ser verdadeira. Mas, espero que a
minha velhice seja tão bela como 'Asas do Desejo', o sonho em preto e
branco.
Mauro Pandolfi
Foi
lá por 1974, num sábado, após o cinema no Tamoio, noite de Trinity,
fomos na Petisqueira, que ficava na frente do cinema. Era o sinal de fim
de noite. Para encerrar, pastelão com vitamina de abacate. Éramos
quatro. Bolacha, Carlinhos, Abel e eu. Conversas longas, alguns sonhos,
muitos desejos. Futebol era o papo principal. O
nosso jogo da tarde, do Inter no domingo e a ilusão de ser jogador de
futebol. Apenas o Carlinhos não queria. Pensava em engenharia. Perto da
meia noite fomos para casa. Moravámos todos na mesma rua. E, pela
primeira e última vez, falamos
da velhice. Como seríamos velhos? Fim do futebol? Eu disse que não
imaginava ficar sem jogar bola. Planejamos até uma partido quando
chegassemos aos 60 anos. Vou fazer 59 anos, esta semana, há 16 anos
que não sei o que é correr, ou ficar parado, num campo de futebol. Como
nunca mais falei com eles, o jogo ficará apenas no sonho. Melhor assim! A
imagem que ficará em suas lembranças será a do Maurinho. Exatamente,
como guardo eles na memória, jovens e hábeis com a bola no pé.
O
futebol é o elo com a infância e a adolescência. É a minha religião, a
auto ajuda nos momento de tristezas, de incertezas e de saudades. Ás
vezes, gosto de um jogador por lembrar aquele tempo. Luan, do Grêmio, é
um deles. Parece um romântico com seu toque sutil, sua elegante
movimentação, sua 'lentidão' mentirosa. Viajo no tempo e revejo
jogadores como ele. Não é uma comparação de qualidade. É a poética do
jogo. Há algo de Ademir da Guia em Luan. A passada larga, a genialidade,
o entendimento de espaço e tempo. Também, uma certa tristeza no olhar.
Parecem distantes, eremitas, saudosos de algo. Um time de Guardiola
também me lembra Lages. Aí, a memória é afetiva, ingênua, graciosa. Os
meninos da rua Irma Laurinda pareciam ser treinados por Guardiola.
Ávidos pela bola, pela parceria reverenciada nos passes, pelo prazer de
brincar, pelo desejo do drible e do gol. Poxa! Fiquei com saudade! A
vida foi tão rápida, apressada, marcante, sofrida, alegre, bem vivida.
Porém, aquele tempo, poderia ter durado mais. Ou, por magia, por
instantes, voltar!
Vi
o futebol de dentro. Por um breve tempo fui jornalista esportivo.
Quando fui contrado pelo Diário Catarinense, vibrei. 'Vão me pagar por
aquilo que faço de graça?', exultei com toda inocência até descobrir que
tudo era muito maior do que ver, escrever, analisar, conversar sobre
uma partida de futebol. E, foi o futebol que me causou a primeira
decepção no jornalismo. Fui demitido porque me recusei fazer uma
matéria. O assunto, a abordagem feria a minha ética, meus princípios,
meus conceitos. Parecia o fim de duas paixões: uma terminou, o
jornalismo; a outra, o futebol, recuperei com o tempo. Como ficar longe
da bola, de 'uma religião', dos deuses, do Grêmio? Quando Chiko Kuneski
me convidou para fazer este blog, fiquei em dúvida. Voltar a escrever e
sobre futebol? Há três anos que o blog é a minha sessão de análise, a
minha louca terapia, onde mostro o meu pensar, revelo as minha
angústias, e, até, os 'monstros' - às, vezes, escapam - que ficam
encastelados do lado da alma.
Aquele
sábado, descobri muito tempo depois, foi a despedida da infância. No
seguinte fomos numa 'festinha' - uma espécie de balada, geralmente, na
casa de uma menina - de uma amiga do Bolacha. Teve um pouco de tudo.
Dança, 'resenha', bebida, uma mão mais atrevida e muita diversão.
Voltamos juntos para casa. O pastelão com vitamina ficou para os
domingos, depois dos jogos do futebol da tarde. Os sábados pediam outros
embalos que foram até julho de 1975. Quando numa noite de domingo, vi
pela última vez, meus amigos subindo e desaparecendo na escuridão. Às
vezes, revejo esta cena num sonho, numa tarde de chuva ou num momento de
solidão.
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