quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Encanto e o desencanto do dez



"Como todos os sonhadores confundi o desencanto com a verdade!"
Não sei se concordo com Jean-Paul Sartre ao me referir a Paulo Henrique Ganso. Tenho dúvida se o meu encantamento acabou com a realidade do futebol ou a mudança do meu olhar sobre o jogo?

Mauro Pandolfi

Paulo Henrique Ganso foi o 'craque' quem mais me encantou à primeira vista. Nos primeiros lances com a bola. Nos lances sem a bola. A flutuação entre as linhas. O espaço e o tempo.  A cabeça erguida. O corpo reto. O olhar que prevê o futuro. O soberano dono jogo. O incomum! O 'dez' desenhado nas pranchetas e nas memórias de quem cultua o futebol. Um Gérson, um Didi, um Rivelino, um Jair da Rosa Pinto, um Zizinho. Nomes que conheço de ouvir falar, de leituras, de imaginários dos velhos contadores de histórias. A genialidade de Ganso comprovei quando o Santos eliminou o Grêmio na Copa do Brasil. Paulo Henrique foi soberbo. Magnífico! Um dez antigo com todo o jeito de moderno. Era 2010, ano de Copa do Mundo. Dunga rejeitou convocar Ganso e Neymar.  Inexperientes, tremeriam, disse o eterno aprendiz de treinador. Preferiu Júlio Batista, Felipe Melo e Grafite. Cada qual com as suas escolhas. O ranço contra jovens é permanente neste país. O resultado todos sabem. Sorte teve um tal de Édson que nunca teve um Dunga como técnico.
Neymar e Paulo Henrique Ganso. Aquele Santos parecia o lendário comandado por Pelé. Insinuante, hábil, bem armado, ofensivo. Os dois resgataram a glória do time 'da vila mais famosa do mundo'. Era um dueto. Um duelo. Uma dupla. Parceiros e, de certa forma, rivais. Eu achava Neymar um moleque abusado. Era disto que gostava. Ganso era cerebral demais. O pensador me chamava a atenção. Aquele Santos gerou um monte de 'craques'. Todos desapareceram longe de Neymar e Ganso. E, Paulo Henrique nunca foi o que prometia sem Neymar. Virou comum, lento, lerdo, previsível. Vive procurando o tempo perdido. Ainda dá para encontrar. Será?
Paulo Henrique Ganso foi o desencanto mais melancólico que vi. Troquei jogos do Grêmio pelo Santos para ver Ganso. Aquela genialidade foi desaparecendo, sumindo. De fã, virei um crítico ríspido, ácido, sem paciência com o jogo sonolento, antigo. Ganso tornou-se um velho camisa dez. Estático. Esperava a bola chegar ao seus pés outrora mágicos. Alguns lances ainda lembravam aquele insinuante meia. Eram escassos. Quando brilhava queriam na seleção. Ainda lembram dele! Ou pela falta de um 'dez' do sonho ou pelo encantamento platônico que resiste ao desencanto?
O futebol é um jogo de tempo e espaço. Nunca é o mesmo. Cria variáveis todo instante. Já foi 'jogo de damas' e agora é de 'xadrez'. Simples e complexo. O craque sabe interpretar o tempo e o espaço. Reiventa-se sempre. Neymar fez isto. Cristiano Ronaldo e Messi, também. Luka Modric é o exemplo de um dez moderno. Paulo Henrique Ganso parou naquele Santos. Perdeu a volúpia (talvez as cirurgias nos joelhos sejam a causa), a movimentação, a ousadia. Seu jogo ficou triste. Continua preso no seu quadrado. Ainda esperando a bola chegar em seus pés. Raramente chega. Ao chegar, o combate é imediato. Ele não entendeu o tempo. Não percebeu que a bola corre mágica. Flutua, ainda poética, mas flutua. Nestes tempos tecnológicos, feito de logarítimos, Paulo Henrique Ganso é analógico. Como o Brasil vive em sua espiral histórica, com um sombrio anos 60 no ar, os clubes apostando em medalhões decadentes, Paulo Henrique Ganso procura o futuro que perdeu em alguma esquina do campo.

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