sexta-feira, 10 de agosto de 2018

O acaso

 

“As obras-primas devem ter sido geradas por acaso; a produção voluntária não vai além da mediocridade.”
Carlos Drumonnd de Andrade mirava na vida ao fazer poesia. E, tudo indica, sabia decifrar o futebol.

Mauro Pandolfi

O futebol é a minha janela para o mundo. Desde os tempos de Copacabana, em Lages, que ao olhar pela janela via um pedação de chão onde a bola corria mágica. O primeiro olhar do dia. Ou, nos desenhos, como lembrou-me estes dias a mais importante professora, a minha querida Leda, 'tudo o que Maurinho desenhava tinha o futebol como motivo'. As redações, também. Tanto encanto transformou-me em jornalista. Esportivo, na maior parte do tempo de uma curta e inexpressiva carreira. A vida tem as suas escolhas, caminhos, atalhos e o futebol sobreviveu como paixão. Nunca consegui decifrar esta paixão. Que fascínio exerce sobre mim o futebol? Por que dedico tanto tempo para ele? O que me leva a escrever sobre futebol? Nunca consegui responder estas perguntas. Ou, nunca quis? Sigo questionando o jogo, o espetáculo formado por um teatro de grama e paixão, por uma 'história' contada em prosa de dribles e em versos de passes desenhados numa prancheta. Este 'nariz de cera' - jargão jornalista, que significa encher linguiça - é para explicar que o futebol é, para mim, indecifrável, inexplicável, misterioso, complexo. Deveria apenas, como diz o meu filho André, torcer, vibrar, 'sem ficar comentando o jogo'.
Planejamento. A palavra que explica um grande time. Leva tempo, demanda esforço, paciência, treinamento. Alemanha do 7 a 1 foi construída assim. 12 anos de um trabalho persisitente, duradouro. Exemplo para o futebol brasileiro, mundial. Escuto, e defendo, isto há muito tempo. Não há vitória, títulos sem 'um projeto' - não é a vigarice luxemburguiana -, mas,.algo sério, moderno, pensado.  Há vitórias construídas assim. Alemanha, Espanha, França, Corinthians, Grêmio, Leicester são arquétipos desta premissa. Leicester? O pequeno time inglês que surpreendeu os gigantes foi um lindo 'acidente'. Ou, será que o acaso não iguala ou supera o planejado? Estou desconfiado que sim. A genialidade pode desmontar qualquer sistema. A mitologia do futebol cita Garrincha, que dormia a sono solto nas preleções, como o 'exterminador'  do jogo pensado, elaborado. Acordado, Garrincha olhava para o treinador, após as explicações táticas de como vencer o jogo, e perguntava: 'o senhor já combinou com o adversário?'
Flamengo e Grêmio jogaram duas vezes em quatro dias. Dois ótimos jogos. O jogo trabalhado, elaborado do Grêmio durou 45 minutos na quarta-feira. O segundo tempo foi do Flamengo. Menos planejado, o time de Lucas Paquetá amassou, triturou e empatou no último lance. Faltou pouco, quase nada, para vencer. No sábado, com um time reserva, os gremistas - no caso, eu - esperavam uma goleada do Flamengo, quase titular. O Grêmio controlou, ditou o ritmo, venceu. A justificativa flamenguista foi o cansaço. No anterior, o time trintão do Grêmio não suportou a juventude. 'Futebol é para jovens', sempre falo - ou falava, não sei mais! - isto. Não é que os veteranos do Cruzeiro encaixotaram os garotos do Flamengo? Apenas dois jogadores com menos de trinta anos, um time cascudo engoliu o rubronegro. E, também, uma certeza minha. Vários fatores determinam uma vitória. O futebol, como a vida, é imprevisível. A magia está aí.
Há um texto de Armando Nogueira sobre um técnico que planejou uma estratégia para conter Pelé. Era mais ou menos assim: um marcador pela direita, outro pela esquerda. Um na sobra e outro no combate direto. Dois de sobreaviso caso Pelé ultrapasse um marcador. Começa o jogo. Bola para Pelé...gol do Santos! Pelé não vale. Mas, o gol fantástico de Rodrigão, do Avaí, contra a Ponte Preta? Ou, o passe de Rodrygo, que driblou três, entregou de bandeja para Gabriel marcar? Obras de acaso. Lances magistrais. O futebol é construídos por eles, por falhas, por frangos, por gols perdidos, por gols achados, pelo acaso. Afinal, como disse o pensador Theophile Gautier, "o acaso é talvez, o pseudônimo que Deus usa quando não quer assinar suas obras". Não sei se vale para a vida. Para o futebol ela é precisa. Os deuses do futebol detonam os espertalhões que dizem decifrar o jogo. Geralmente, são derrotados por gols chamados, sabiamente, de 'espíritas'. Impossíveis, loucos, inacreditáveis. É o acaso que vai proteger os segredos sagrados do jogo.

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