“As obras-primas devem ter sido geradas por acaso; a produção voluntária não vai além da mediocridade.”
Carlos Drumonnd de Andrade mirava na vida ao fazer poesia. E, tudo indica, sabia decifrar o futebol.
Mauro Pandolfi
O
futebol é a minha janela para o mundo. Desde os tempos de Copacabana,
em Lages, que ao olhar pela janela via um pedação de chão onde a bola
corria mágica. O primeiro olhar do dia. Ou, nos desenhos, como
lembrou-me estes dias a mais importante professora, a minha querida
Leda, 'tudo o que Maurinho desenhava tinha o futebol como motivo'. As
redações, também. Tanto encanto transformou-me em jornalista. Esportivo, na maior parte do tempo de uma
curta e inexpressiva carreira. A vida tem as suas escolhas, caminhos,
atalhos e o futebol sobreviveu como paixão. Nunca consegui decifrar esta
paixão. Que fascínio exerce sobre mim o futebol? Por que dedico tanto
tempo para ele? O que me leva a escrever sobre futebol? Nunca consegui
responder estas perguntas. Ou, nunca quis? Sigo questionando o jogo, o espetáculo
formado por um teatro de grama e paixão, por uma 'história' contada em
prosa de dribles e em versos de passes desenhados numa prancheta. Este
'nariz de cera' - jargão jornalista, que significa encher linguiça - é
para explicar que o futebol é, para mim, indecifrável, inexplicável,
misterioso, complexo. Deveria apenas, como diz o meu filho André,
torcer, vibrar, 'sem ficar comentando o jogo'.
Planejamento.
A palavra que explica um grande time. Leva tempo, demanda esforço,
paciência, treinamento. Alemanha do 7 a 1 foi construída assim. 12 anos
de um trabalho persisitente, duradouro. Exemplo para o futebol
brasileiro, mundial. Escuto, e defendo, isto há muito tempo. Não há
vitória, títulos sem 'um projeto' - não é a vigarice luxemburguiana -,
mas,.algo sério, moderno, pensado. Há vitórias construídas assim. Alemanha,
Espanha, França, Corinthians, Grêmio, Leicester são arquétipos desta
premissa. Leicester? O pequeno time inglês que surpreendeu os gigantes foi um lindo 'acidente'.
Ou, será que o acaso não iguala ou supera o planejado? Estou desconfiado
que sim. A genialidade pode desmontar qualquer sistema. A mitologia do
futebol cita Garrincha, que dormia a sono solto nas preleções, como o
'exterminador' do jogo pensado, elaborado. Acordado, Garrincha olhava
para o treinador, após as explicações táticas de como vencer o jogo, e
perguntava: 'o senhor já combinou com o adversário?'
Flamengo
e Grêmio jogaram duas vezes em quatro dias. Dois ótimos jogos. O jogo
trabalhado, elaborado do Grêmio durou 45 minutos na quarta-feira. O
segundo tempo foi do Flamengo. Menos planejado, o time de Lucas Paquetá
amassou, triturou e empatou no último lance. Faltou pouco, quase nada,
para vencer. No sábado, com um time reserva, os gremistas - no caso, eu -
esperavam uma goleada do Flamengo, quase titular. O Grêmio controlou,
ditou o ritmo, venceu. A justificativa flamenguista foi o cansaço. No
anterior, o time trintão do Grêmio não suportou a juventude. 'Futebol é
para jovens', sempre falo - ou falava, não sei mais! - isto. Não é que
os veteranos do Cruzeiro encaixotaram os garotos do Flamengo? Apenas
dois jogadores com menos de trinta anos, um time cascudo engoliu o
rubronegro. E, também, uma certeza minha. Vários fatores determinam uma
vitória. O futebol, como a vida, é imprevisível. A magia está aí.
Há
um texto de Armando Nogueira sobre um técnico que planejou uma
estratégia para conter Pelé. Era mais ou menos assim: um marcador pela
direita, outro pela esquerda. Um na sobra e outro no combate direto.
Dois de sobreaviso caso Pelé ultrapasse um marcador. Começa o jogo. Bola
para Pelé...gol do Santos! Pelé não vale. Mas, o gol fantástico de
Rodrigão, do Avaí, contra a Ponte Preta? Ou, o passe de Rodrygo, que
driblou três, entregou de bandeja para Gabriel marcar? Obras de acaso.
Lances magistrais. O futebol é construídos por eles, por falhas, por
frangos, por gols perdidos, por gols achados, pelo acaso. Afinal, como
disse o pensador Theophile Gautier, "o acaso é talvez, o pseudônimo que
Deus usa quando não quer assinar suas obras". Não sei se vale para a
vida. Para o futebol ela é precisa. Os deuses do futebol detonam os
espertalhões que dizem decifrar o jogo. Geralmente, são derrotados por
gols chamados, sabiamente, de 'espíritas'. Impossíveis, loucos,
inacreditáveis. É o acaso que vai proteger os segredos sagrados do jogo.
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