"Somos o país do futebol, mas não somos os donos do futebol"
Daniel Alves entende o mecanismo do futebol, as suas variáveis, as transformações da bola, do jogo, do entretenimento. Já em final de carreira, recuperando-se de uma lesão, Daniel Alves percebeu que o tempo não para, nem o futebol é o mesmo de sempre, que não precisa de um evento para mudar.
Mauro Pandolfi
A Copa do Mundo é uma festa, mais do que uma competição. É quando 'os operários vão ao paraíso' (frase que 'plagiei' do grande Tim Vickery). Onde brilham os imigrantes, os sobreviventes de tragédias coletivas ou pessoais, os 'artistas', os milionários, os sonhadores. Ainda é grande vitrine do futebol. Onde é exposto o talento, a fantasia, a doce ilusão de desconhecidos que buscam o céu. Muitos sobrevivem a dor da derrota, outros desistem, dias depois, de voltar a vestir a camisa de seu país. Mas, o fracasso não abala o mito. Lionel Messi e Cristiano Ronaldo continuam imensos sem uma copa em seus cartéis. Desconfio, neste tempos tecnólogicos, que a referência ao modelo de jogo é quase nula. Aliás, sempre foi desde 30. Não provoca grandes mudanças. Não inventa sistemas e nem destrói o que está consolidado. O tempo faz isto. Chiko Kuneski escreveu um texto preciso ('A Copa do mal') neste blog. Lúcido, bem argumentado, que por instantes, me convenceu. Danado, este Chiko! Os poetas esgrimam muito bem com as palavras. Certeiros! Passado um tempo, longe da influência do texto, discordo do 'mal' da Copa.
A primeira copa que assisti foi a de 70. A extraordinária seleção de Pelé. Li muito sobre ela, revi seus jogos algumas vezes e sei a revolução que propôs. Movimentação articulada, jogo no espaço vazio, posse de bola, precisão. Um time mitológico. Nenhum time brasileiro jogou como a seleção pós-copa. A seleção de 74 negou todo a transformação proposta. 'Imitou' os times brasileiros. Estilo previsível, burocrático, sem movimentação, centrado no conceito pré-70. Quem entendeu a revolução foi Rinus Michels. O carrossel holandes foi um rápido sonho que durou apenas aquela copa. A única inovação adotada no futebol brasileiro foi a linha de impedimento usada pelo Inter de Figueroa. Uma plêiade de comentaristas esportivos consideraram a Holanda um 'tico-tico, uma pelada mais organizada'. Igual ao Brasil, a Holanda de 78 desceu do carrossel e foi um vice insípdo. E assim tem sido. A copa como balizador do futebol é só um equívoco de avaliação.
Só o Flamengo lembrou o timaço de Telê Santana de 82. O 'cattenaccio' italiano da gang de Paolo Rossi sempre foi praticado por estas bandas. É só olhar os técnicos brasileiros deste período. Quase todos defensivos. No salto do tempo, vou até 2010. O jogo bailado, tocado, retocado, brincado, fantasioso da Espanha não vingou por aqui. Este jeito 'guardiola' de jogar se restringiu ao Grêmio de Roger Machado em 2015 e de Renato Portallupi nos anos seguintes. Mais algum jogou feito o Barcelona? Nenhum! Todos, inclusive as seleções brasileiras de 14 e 18, herdaram o futebol da equipe de Dunga de 2006, que era o que se jogava no país. Também, ninguém usou a Alemanha de 14 como referência no Brasil. A copa deste ano não mudou nada no futebol brasileiro. Continua tão ruim como o do primeiro semestre. A convocação do Tite, dia 17, sua entrevista coletiva é a reafirmação de seus conceitos, de seu pensar, apenas mudou o nomes dos jogadores. As ideias, a tática, o sistemsa de jogo parece o mesmo. Tão antenado, 'o moderno' Tite 'minimiza' - para ser gentil - o título da França. Não sei se é convicção ou arrogância. O 'mal da copa' é feito o 'mal dos poetas' do século 19. É romantismo. A realidade é, que pena!, pragmática. Jogamos como sempre. A fantasia do extraordinário futebol brasileiro é só uma quimera. Bela mitologia que sempre sobreviverá.
Perdi a ilusão da arte no futebol com Paolo Rossi. Entendi que o futebol é um teatro de grama e paixão. Há tantos sentimentos envolvidos. A vitória, bravura, desespero, fé, crença. Nunca abandonei o olhar da beleza do jogo. Gosto de dribles, de passes, de movimentos e espaços, de uma organização tão bem executado que parece improviso de pelada. O desejo do futebol arte é imortal. Sobrevive nos sonhos de poetas, como Chiko Kuneski, que criam as fantasias, as expressões, como a bela 'asas da chuteira', um devaneio que deixa o jogo lindo. Esteticamente admirável quando contados pelo lirismo de quem a ama a arte. É este sopro, como da verve de Chiko Kuneski, que justifica um blog como este.
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