quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Vício solitário



"Era bom estar solitário num lugarzinho, sentado, fumando e bebendo. Sempre tinha sido uma boa companhia para mim mesmo".
Eu entendo de solidão. Mas, quem entende de Charles Bukowski é o meu amigo Chiko Kuneski. Chiko vê o futebol pelos olhares da poesia. Sei que também gosta de ver futebol sozinho.

Mauro Pandolfi


Há muito tempo que não entro num estádio de futebol. Eu sou apaixonado por futebol. É o meu culto. Mas, perdi o hábito de frequentar o 'templo'. Tenho 'rezado' sozinho em frente da televisão. Mantenho a fé, a crença, esperando os 'milagres'. Gosto da solidão no futebol. A 'multidão' me incomoda. Ela faz barulho demais. Tira a atenção. Provoca ruídos. A luz apagada, o quarto escuro, as cortinas fechadas, a porta cerrada, eu e a bola que rola na tela da tevê. Não há silêncio. Há os narradores que descrevem o que vejo. Uso sempre rádio e tevê. Pode ser o mesmo jogo. Às vezes, são diferentes. Não gosto de comentaristas. Eles tem o dom de induzir o que devo pensar sobre a partida. Estão sempre presos nos chavões, nos mantras, nos lugares comuns tentando adaptar a 'realidade' as suas teses. A solidão não me afasta do mundo. Exploro o mundo nas minhas telas. Vários jogos em seguidas, na mesma hora, ou tempos depois, num ritual que sempre se repete. A solidão do quarto revelou, mais uma vez, a beleza, a paixão, a loucura da bola. Na quarta, o meu vício solitário quase me provocou uma overdose. Um jogaço do 'passado', o impossível não se tornou possível por simples acaso e o moderno deixando a minha noite mais feliz. Eu amo futebol!
Atlético Paranaense e Tubarão fizeram um jogo mítico. Uma volta ao passado idealizado do futebol brasileiro. Aquele que o 'tio' mais velho conta para os sobrinhos. "Eu estava lá...!" repete a grande história em todos os encontros da família. Envolvente, intenso, disputado, mágico. Uma partida de viradas, de reviradas, de acreditar sempre, de nunca desistir. Um jogo tão bem jogado, de lindos gols. Um time pequeno que gosta de atacar. Recusa a retranca. Usa a bola a aérea com maestria. Waguinho Dias é um treinador para ser observado. Raro este belo Tubarão! Os pênaltis seriam injustos neste grande jogo. Merecia um vencedor. Por instantes, acreditei no Tubarão. Sofri com a derradeira virada. Sorri pelo espetáculo fantástico. Não há nada que supere o futebol. O outro nome do futebol deveria ser...vida!.  E, descobri, que meus sobrinhos já tem uma boa história para contar aos seu futuros sobrinhos.
Sempre assisto os jogos do Jorge Wilstermann. Gosto do nome. É uma homenagem ao primeiro aviador boliviano. O que me atrai neste time é o incomum. Não gosta do trivial. Sempre surpreende. Ou. goleia; ou é goleado. Não existe, em Libertadores, 0 a 0 para Jorge Wilstermann. Impossível não existe para estes bolivianos. Superam os seus dramas, a sua condição financeira e 'quebra' a espinha dos gigantes do continente. Não vi o jogo. Era noite de Grêmio. Acompanhei a bolinha que avisava o gol. Na hora dos pênaltis, a vibração, os gritos do Fabiano e seus filhos, moram embaixo do meu apartamento, avisava das defesas de Martin Silva e a classificação. Depois,assisti os melhores momento. Que sufoco! Faltou pouco, muito pouco, quase nada, para mais uma façanha. Pena que não tem mais Jorge Wilstermann nesta Libertadores.
Noite de 'culto'. Vi um Grêmio, ainda, longe do futebol espetacular do ano passado. Sem Arthur perde a rotação, a bola tocada com maestria, a aproximação. Teve fúria, vontade, garra, um pouco do velho Grêmio. Do outro lado, estava um timaço, de guris que serão páreo duro na Libertadores. Ah, o árbitro de vídeo vai, no mínimo, diminuir a machonaria deste lado do mundo. 120 minutos sem gols. A hora dos pênaltis. Baixei todo o volume da tevê. Desliguei o rádio. O jogo já passava da meia-noite. Elaine dormia feliz. Não podia fazer barulho. Não gritei, não pulei, não comemorei. Só assisti. Obedeci tanto que de manhã me perguntou como tinha sido o Grêmio. Ela, que não torce para ninguém, abriu um leve sorriso de satisfação ao saber do título. Ao conversar com o Mário sobre o jogo, agora à tarde, fiquei com a sensação que perdi algo, que não aproveitei a vitória, que não saboreei o título. A solidão provoca isto. O melhor das festa é a companhia.


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