sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Futuro do pretérito



"A distinção entre o passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente."
Desconfio que Albert Einstein ao elaborar a sua Teoria da Relatividade leu os 'pensadores' da bola no Brasil.

Mauro Pandolfi


Não há nada mais 'presente' no futebol brasileiro do que o passado. É eterno! Imortal! Um zumbi que perambula pelos estádios de futebol. Cultuado, incensado, falsificado por comentaristas esportivos, historiadores da bola, sonhadores incautos, torcedores crentes de uma 'religião' sem nexo, ou, só ouvintes distraídos, que não conseguem esquecer de uma certa juventude fixada na memória. Seus ídolos não pararam. Desfilam a elegância nos 'flashes' das lembranças. Nos estádios desesperam-se a procura deles. Não estão lá. Só nas 'peladas' de fim de ano 'borboleteiam' por aí. Ressuscitados, reverenciados, ouvem pedidos por uma volta ao futuro. Como poesia é um devaneio lúdico. Como realidade, é só um engano. O culto ao passado detesta o futebol de agora. 'Muito corrido, não tem o cabeça pensante, não há dribles, não tem pontas, o volante não suja o calção, não tem o cabeceador, pensam demais em táticas, muita posse de bola, muito tico-tico, falta raça, ninguém lança em trinta metros..' Preste atenção! Ligue o rádio, assista a tevê, leia nos jornais ou nos blogs, e estas expressões estarão lá. Dogmas que repetidos tantas vezes podem parecer verdade, como o velho chavão afirma. Mas, como já explicou aquele cientista alemão da língua grande, 'não há nada absoluto no universo relativo'.
Quem provocou este texto foi Ronaldo Fenômeno. Extraordinário atacante. Imenso, gordo, 'uma baleia', jogou o que alguns pensam que Walter joga quando está em forma. Disse que 'seria mais difícil Cristiano Ronaldo e Messi ganharem  a quantidade de Bolas de Ouro se jogassem no seu tempo'. Mais um! Renato Portaluppi afirmou que jogou mais que CR 7. Estes dias escutei alguém dizer, assisti tantos programas esportivos nas férias que não lembrou quem foi, que Zico foi superior a Messi. De Pelé não se pode citar. Não há ninguém de seu nível. Todos são inferiores. Provoca uma avalanche apenas uma dúvida. Intocável, insuperável, primeiro e único, Pelé é o ser supremo da bola. Já desisti de qualquer comparação! Minha iconoclastia fica por aqui.
O que Messi e Cristiano Ronaldo precisam fazer para serem reconhecidos como os melhores? Talento? Nunca vi ninguém igual a eles. Idolatria? São cantados em verso e prosa em todos os cantos do mundo. Todos os seus jogos são transmitidos pela tevê. São craques 'vistos', não lidos ou ouvidos. Títulos? Um montão! De campeonatos nacionais, copas locais, ligas continentais, mundial de clubes. Ah, não tem uma Copa do Mundo!  Luisão, Grazziani, Materazzi, Lúcio, Paulo Sérgio, Baldochi, Luque tem! Puskas, Cruyff, Kopa, Eusébio, Falcão, Zico não tem. Títulos não significam qualidade. Às vezes, mistificam o comum; idealizam o ótimo. A Seleção Brasileira de 70, o melhor time de todos os tempos, segundo os historiadores, endeusou uma geração. Nenhum deles repetiu a performance daquela copa em suas carreiras. Quem chegou mais perto foi Jairzinho na Libertadores com o Cruzeiro em 1976. O Tri do México tornou Gérson superior a Falcão, Carlos Alberto Torres melhor que Leandro; Rivelino mais jogador que Ademir da Guia; e Paulo César Caju mais reverenciado que Rivaldo. Discordo! São olhares da bola. Os meus olhares!
'Ah, se fulano de tal jogasse hoje? O material esportivo é melhor, a bola é mais leve, os gramados são tapetes...' O passado é sempre melhor. É filtrado, purificado, ludibriado, adulterado. Temos mais saudades do que não fomos, do que não fizemos, só sonhamos. O futebol é assim. Os clubes vendem os seus garotos, suas 'joias' por uma fortuna. Ao invés de se estruturarem com a grana, para gerar novos craques, investem em medalhões decadentes. Os jovens de hoje, como Vínicius Júnior, Gabriel Jesus, Philippe Coutinho, voltarão para a 'casa' depois dos trinta. Antes brilharão no moderno e espetacular futebol dos grandes clubes europeus. Afinal, no futebol brasileiro, o verbo 'jogar' conjuga-se no futuro do pretérito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário