sábado, 20 de janeiro de 2018

A bola que flutua no espaço s perde no tempo



"No Oeste, senador, quando a lenda é mais interessante que a realidade, publica-se a lenda"
Frase de um jornalista ao personagem de James Stewart no belíssimo filme 'O Homem que matou o facínora', de John Ford,  tambrm explica o futebol brasileiro.

Mauro Pandolfi

O futebol brasileiro é uma tese. Pensada nos anos 30, criada nos 40, reverenciada nos 50, glorificada nos 60, endeusada nos  nos 70, mitificada nos 80, superada nos 90, resistente no século 21. Um futebol mais contado, falado, lido, delirado. Narrado em música e verso. Mistificado em imagens envolventes, sedutoras. Um show espetacular. Uma ópera moderna. Um jogo tornado poético, desenvolvido em prosa, deificado em cordel. Grandioso, monárquico, com uma corte completa. Amado, desejado, invejado, suspirado em todos os cantos do mundo. Porém... É só uma fantasia. Sempre foi! Não resiste ao rigor histórico de uma análise profunda.  Não sei se os 'mitos' sobreviveriam. Mas, quando a lenda é melhor do que a realidade, dane-se 'a verdade'. O que é 'verdade', mesmo?
Na abstinência das férias  assisiti vários programas esportivos. Não tenho mais este hábito. Acho chato esta discussão interminável sobre impedimento, falha do juiz, o frango  do goleiro.  Escutei a lamúria de sempre contra o futebol atual.  Reverencia ao passado glorioso, aos grandes craques, aos times magníficos.  Então, voltei ao velho vício dos  'jogos perdidos'. Vasculhei o you tube em busca dos grandes esquadrões e dos mestres na arte de jogar bola. Procurei jogos completos ou, no mínimo,  com 40 minutos. Para perceber, entender, a 'filosofia' do jogo. Depois do quarto jogo, um Botafogo de Garrincha contra o Santos de Pelé, desisti.  Sonolento demais. Exageradament lento. Nenhuma infiltração entre as linhas. Que linhas? Todos guardando a sua posição. Quase nenhuma movimentação. Um jogo de botão! Se isto é o 'grande' futebol brasileiro, eu lamento dizer: sempre foi ruim! Ah, uma coisa em comum com todos os narradores destes jogos. Eles bradavam sempre 'o melhor futebol do mundo!'  E, tem alguns que repetem hoje este mesmo bordão. Mas, é só uma farsa.
Devo estar enganado, pensei! O meu olhar é moderno demais. Como comparar o jogo de bola? Como conseguem afirmar que o futebol do passado é melhor? Alguns que dizem isto, nem tinham nascido ou eram um pouco mais do que um bebê.  Eu que sempre fui um péssimo aluno em física, usei a relação espaço e tempo para tentar a decifrar este enigma. Decifra-me ou será devorado? Serei devorado. Em fatias para ser mais dolorido.
Gérson domina a bola. Dá um toque, avança um pouco, outro toque, mais dois passos para fente, um terceiro toque, inclina o corpo e faz o lançamento medido, perfeito, que encontra Jairzinho entrando entre a zaga. Não saiu o gol. Entendi a relação espaço e tempo. Gérson segurou a bola até Jairzinho se movimentar. A ação durou quase um minuto. O meia recebe a bola no seu campo. Longe dos rivais. O jogo pedia isto.  Era assim. O combate ou a marcação começa naquilo João Saldanha consagrou: a zona do agrião. Aquela região que começa o perigo de gol.
 Não havia pressa. O campo muito grande, tempo longo, precisava dosar as energias. Corria-se menos. Talvez, dois ou três quilometros por partida. Hoje, corre-se até 12 quilometros.  Um jogo essencialmente individual. Decidido pela melhor capacidade técnica. A tática era secundária. O coletivo era só uma junção de individualidade. Isto, passa a percepção de que os jogadores eram melhores, mais hábeis. É o tempo e o espaço que explica. É o passado que sempre é melhor. É depurado, filtrado, excluído 'o ruim', permanece apenas a lenda, que é o lado 'bom'.
Numa coluna de Tostão, na Folha de São Paulo, ele cita o genial Xavi falando de espaço e tempo. Para Xavi, Busquet é melhor do que Casemiro pois tem um melhor entendimento de espaço e tempo. Define o lance de forma mais rápida, usando menos campo, tornamdo mais eficaz. Iniesta diferencia do grande Gérson também por isto. Cercado por vários rivais, não tem o tempo para quatro, cinco toques e nem o espaço livre. Aí, resolve com um toque, um singelo toque, e corre para recebe e tocar uma outra vez, de primeira. Se Gérson lançasse assim que recebesse a bola, provavelmente erraria o passe. Jairzinho não estaria lá. Se Iniesta ficasse com a bola, a perderia em seguida. É o tempo e o espaço que define o talento no futebol.
Tostão comenta, também, a sua estréia na seleção jogando com Gérson. Acostumado com a rapidez de Dirceu Lopes, tocava rápido, um toque. No intervalo, Gérson pediu para Tostão não ser tão rápido. "Jogue em dois toques. Assim eu posso acompanhar a jogada", disse o 'canhota de ouro'. E, Tostão fez. Os craques se entendem. Bem mais que os comentaristas esportivos. Não se iluda! Nunca o futebol foi tão bem jogado como o de agora. Tem todas as valências pedidas (vontade, força, técnica, talento, lucidez tática, inteligência e poder mental). Isto vale para os grandes times europeus e seus campeonatos exuberantes. Não para o Brasil. Tirando as exceções de sempre, o futebol aqui sempre foi ruim.

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