'Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma'.
Carlos Drummond de Andrade foi um craque com as palavras. O poeta que entendeu, decifrou, amou o jogo da bola como se fosse um Pelé. Ou, teria sido um Garrincha?
Mauro Pandolfi
Ando perdendo o pragmatismo que estabeleci em minha vida. Há tempos perdi o sonho, abandonei a utopia e a esperança era só o nome de um antiga namorada. Mas, mexendo nos livros, nas caixas de anotações, nos alfarrábios, nos cadernos de Rai Carlos, redescobri a poesia. Sou apaixonado pelo lirismo de Mário Quintana. Quanta suavidade em ver a vida. Sutileza! Gosto do olhar real de Drummond. Prático, preciso, intenso. Desafio os olhos, o olhar desfocado da degeneração macular, e leio, releio. Busco os livros que já li. A exceção é Yuval Noah Harari. Ando impregnado de seu devastador olhar sobre nós, os ditos homo sapiens. Quero poesia! Alguns dos meus poetas favoritos usam os pés para escrever. Lionel Messi ainda é o meu autor predileto. Posto que Neymar, Gabriel Jesus, Luan e Arthur devem ocupar logo, logo. Fico encantado com alguns 'versos' produzidos por 'poetas comuns'. Lances que valem mais do que o jogo. São superiores as derrotas ou as vitórias. São feitos para apreciar com a alma.
A bola longa, perdida, sem saída. Não diga isso para Berrio. Ele buscou num espaço que não existia. Ou era um latifúndio do tamanho de um lenço, como diria João Saldanha? A bola parecia escapar. Bailou! Trocou de pés. Deu uma meia lua de calcanhar. Tocou suave. Encontrou a bola do outro lado. Atônito, o jogador do Botafogo nada fez. Nem esboçou reação. O gol de Diego valeu a vaga para final. E, daí? Fiquei encantado com o drible de Berrio. Imaginei a alegria de Chiko Kuneski, o amante do drible. Vibrou com o gol ou a dança de Berrio? Eu fui derrotado pelo pragmatismo do pênalti. Nem Luan salvou a minha noite.
Apodi é um jogador diferente. Parece um Forrest Gump com pressa. Corre, corre, corre. Bem mais que a Lola do filme 'bacaninha' que sempre é repetido em algum canal de cinema. Quando surgiu, Apodi prometia ser um grande lateral. Muita velocidade, vibração, garra. Hábil, perde-se nos cruzamentos. Aqui, não sei o motivo, lateral tem de saber cruzar. Os que são pagos para dar opinião acham que o lateral substituiu o ponta. Não perceberam que ele joga no lugar do meia. Mas, é outra história. Apodi produziu uma poesia fantástica no domingo. Recebeu a bola longa. Parecia que escaparia. Dominou com o pé esquerdo. O chapéu foi lúdico. A bola desceu. O chute foi preciso, forte, cirúrgico. Porém, no meio do caminho estava Douglas. No salto, no ar, a defesa. A mão trocada. Magistral! Não alterou o placar. Ficou como estava. No entanto, deixou o meu domingo feliz. Bela a poesia de Apodi e Douglas.
Chico Buarque compõe como se driblasse um beque desavisado. Num poema montou uma linha que o melhor verso de futebol que li: Mané, Didi, Pagão, Pelé e Canhoteiro. Estufou o Filó! Da arte de transformar a bola em poesia. Não ligo para o atual pensar político de Chico. Sei que não é mais o 'meia' habilidoso. Parece mais um volante 'brucutu'. Gosto do cantor, do compositor. Do artista que melhor decifrou a alma do amante da bola. No seu disco Caravanas, há uma pequena obra prima, cheia de negaceadas, de um pra lá, outro para cá. 'O Jogo de Bola' é um drible que Garrincha ou Renato assinariam:
"Há que levar um drible:
Por entre as pernas sem perder a linha.
No jogo de bola
Há que aturar uma embaixadinha, deveras
Como quem tira o chapéu para a mulher
Que lhe deu o fora
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Salve o futebol, salve a filosofia
De botequim, salve o jogar bonito
O não ganhar no grito a simpatia
Quase amor
Da guria que antes do apito final
Vai sem aviso embora
Vivas a galera, vivas às marias-chuteira
Cujos corações incandescias
Outrora, quando em priscas eras
Um Puskás eras
A fera das feras da esfera, mas agora
Há que aplaudir o toque
O tique-taque, o pique, o breque, o lance
De craque do centroavante
E ver rolar a pelota nos pés de um moleque
É ver o próprio tempo num relance
E sorrir por dentro"
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