sábado, 19 de agosto de 2017
Eu, o futebol, as paixões, as leituras
Mauro Pandolfi
"O tapete verde dos estádios me encanta". Foi a frase que sobrou na memória de uma redação ensinada pela Leda, minha querida prima, a mais inesquecível de minhas professoras. O parentesco nunca significou vantagem. Ao contrário, era mais cobrado. Aquela redação mudou a minha maneira de escrever, de observar, de entender as coisas. Leda 'completou' o serviço mandando ler mais. Escutei ela comentando com meu pai a minha dificuldade na leitura. Meu pai disse que 'resolveria o problema'. Fiquei feliz com a resposta. Imaginei os gibis chegando em casa. Ledo engano! No dia seguinte, ele traz um monte de jornais e alguns livros. O pai gostava de livros. Encheu a estande da casa com coleções variadas. 'Divirta-se!", disse. Peguei um por um, folhei todos, li as manchetes e os olhos vibraram com a Folha Esportiva. A primeira leitura foi sobre o Grêmio. Devorei tudo. Não larguei o jornal naquele dia, nunca mais deixei de ler, ao menos, um jornal por dia. Ficava ansioso esperando o jornal chegar. Era um menino de dez anos. Foi a descoberta de duas paixões. Uma delas, o jornalismo, eu curei; outra, o Grêmio, virou amor, culto. Uma paixão tatuada na alma.
Colecionar jornal era complicado. Amontoava fácil, empilhado pareciam grandes colunas. A mãe reclamava que ocupava muito espaço do quarto. O que fazer? Era uma construção de memória? Meus alfarrábios, consultas, pesquisas, como ficariam? Descobri a revista Placar. Semanal, fácil de guardar. A leitura já estava boa. Era rápida, fluente e as redações ficaram melhores. Eu acho! Afinal, as notas subiram. Mas, a Placar foi a fonte de descoberta. De times, de textos, de ideias, de paixões. Arrumei um clube em cada canto. Cortava a revista para fazer os 'esquadrões' no botão. Tinha vários, inúmeros, guardados em caixas, como se estivessem concentrados. Titulares e reservas. Usava uma moeda sobre a foto do rosto. Girava com uma caneta diversas vezes. As páginas eram protegidas por um papel mais duro. Não podia estragar o resto da revista. Queria somente o rosto. Que memorabilia perdi. Na casa da mãe há, ainda, as revistas Placar empilhadas no depósito. Em que estado? Não tenho a coragem de verificar o estrago!
O Tabelão! A primeira leitura. Um suplemento em forma de jornal. Ficha técnica completa. Devorava, memorizava, me divertia. Descobri paixões. Ah, o Olaria! Que timaço! Poesia pura! Pedro Paulo; Haroldo, Miguel, Altivo e Alfinete; Roberto Pinto e Afonsinho; Osni, Salvador, Luís Carlos e Antoninho. Foi Afonsinho que me tornou torcedor do Olaria. Gostava de sua rebeldia, de sua barba e da canção de Gilberto Gil.
O que Remo e Fortaleza tinham que me encantavam tanto? Dois laterais de nomes sonoros, típicos apelidos do velho futebol. Aranha no Remo. Seu reserva era um tal de Nelinho. Fico imaginando como jogava este Aranha? Nunca vi. Sei que ganhou a Bola de Prata. Louro era o craque do Fortaleza. Fiquei seu fã ao ler uma reportagem sobre sua vida. A casa tinha as cores e o símbolo do Fortaleza. Como não gostar de alguém que ama tanto o seu clube? Já o Goiânia nunca entendi o motivo de torcer. Não sei onde anda o Goiânia. Brinco que é o meu time perdido. Acho que não faço questão de achá-lo!
Eu gostava mesmo era do Santa Cruz. Outra poesia que declamava com fé. Gilberto; Gena, Sapatão, Roberto Rebouças e Botinha; Givanildo e Luciano; Erb, Fernando Santana, Ramon e Lima. Como não gostar de um time que tinha Sapatão e Botinha? Meu ídolo era o Erb. Nome estranho para craque. Nunca descobri se era mesmo um craque! Vi poucas partidas dele. E, elas desapareceram da memória.
As paixões não eram só nacionais. Leeds United era a minha paixão inglesa. As vitórias, que lia no Tabelão, o título inglês, derrubaram o Liverpool dos Beatles. Décadas depois, o canto da torcida, Lucas Leiva, Philippe Coutinho, fizeram redescobri o Liverpool. Porém, meu 'coração sem dono', anda se encantando com o Manchester City. Ah, Pep Guardiola! Como gosto do jeito de jogar de seus times! Na Alemanha, vibrava pelo Hamburgo. Sábia escolha. Muitos anos depois, Renato demoliu o Hamburgo e deu o maior título do Grêmio. A escolha pelo Ajax de Cruyff não deu certo para o meu tricolor. Litmanen foi o principal algoz do Grêmio em Tóquio. Nos pênaltis a derrota. Será um sina, um erro de dna, a eterna mania de perder um pênalti?
O Independiente foi a maior paixão daquele tempo. Só comparada ao Inter de Lages e ao Grêmio. Foi até nome de nosso time de rua. O argentino que derrotava os grandes clubes do Brasil. Na divisão de clubes da turminha, nós escolhemos um carrasco: I-N-D-E-P-E-N-D-I-E-N-T-E! Ganhamos muitos jogos, alguns torneios por Copacabana. Um time que ficou conhecido no bairro. Os piás da rua Irmã Laurinda provocavam arrepios. Bom time! Eterno time! O time tatuado na alma, bem ao lado do Grêmio.
Grande tempo aquele! Ainda sonho que estou jogando no Vermelhão ou no Boldo. Pena que o tempo volte apenas em sonho. Acho que é até melhor! Deixe o tempo no seu tempo. Na sexta feira, dia 11 de agosto, numa pequena cidade dos Estados Unidos, o pior dos anos 50 reapareceu. A estupidez, a ignorância desfilaram num 'festival' sombrio, nefasto, perigoso, medonho. O passado só volta no pensar poético. Nas doces lembranças. Como 'realidade' é um terrível engano. É mais radical, perverso, falso do que foi. É 'o mundo paralelo' das histórias de terror.
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