terça-feira, 6 de junho de 2017

Papo com Rai


Mauro Pandolfi

Sou romântico. Demorei a entender este romantismo. Negava, fugia. Não mandava flores por falta de grana. Mas, escrevia poesia, ouvia Roberto Carlos e os bregas, que até hoje escuto e adoro. Tudo discretamente, quase clandestino, como fazia com os filmes do Trinity. Estas 'paixões' pareciam um desvio de conduta. A 'resistência' a ditadura, o pensar comprometido de esquerda exigia uma postura mais agressiva, crítica, dura. Aquela história 'hay que endurecer, pero sem perder lá ternura jamás!' era só um poster pendurado na parede do quarto. Papo furado! Queria confronto e vencer o confronto. Nélson Mandela me ensinou o que é viver a política: um país é maior que os pensares ideológicos ou pessoais. Imagina um Lula ,com o 'o nós contra eles', o que seria da África do Sul? Não namorei como queria. Paixões deixei passar. Amor virou amizade. Às vezes, achava a menina alienada demais. Outras, muito românticas. Outras, por medo. Só permitia o romantismo no futebol. Fui apaixonado por tantos times, por ideias de jogo, por conceito, pelo Inter de Lages, Ypiranda, Figueira, a Democracia Corinthiana, Barcelona, Milan, Manchester United, Boca Juniors, tantos, muitos times. Só um é eterno. Vibro, 'sofro', deliro, fico triste, deprimido, alegre, festivo, eufórico com o Grêmio. Fui conversar com Rai Carlos, o vidente cego, para entender este amor (ou será paixão?), sobre esta loucura (ou a minha lucidez para encarar a  rudeza da vida?) que é o Grêmio. Rimos muito. Reflexões sem dores que escaparam de um choro nostálgico.
"Amor e paixão não são tão diferentes, meu caro Mauro. O amor requer cumplicidade. A paixão, a mais forte, intensa, é solitária. Paixão é quando as configurações bioquímicas do cérebro entram em pane. Alteram o algoritmo do corpo. A química é mexida. Há fusões de elementos não combinados, aleatórios, diria explosiva. Os neurônios se desequilibram, provocam uma metamorfose na estrutura da célula e a energia dissipada gera uma transformação do ritmo cardíaco. Aceleração, agitação, a função sanguínea é modificada, quase perigosamente. Aumenta o oxigênio proporcionalmente com o gás carbônico. Enfim...Tu cai de quatro!".
Eu 'cai' com a explicação dele. 'O filósofo, poeta, o transcendental, buscando uma explicação científica?" ironizei.  A gargalhada sonora acorda o velho Pablito, o centenário papagaio de Rai. "O corpo é assim. E como ele reage quando alteramos o estado das coisas. Como uma doença, a febre é uma tentativa de defesa. O corpo se modifica buscando a cura. Paixão não é doença, não confunda. Mas, é uma disfunção da normalidade orgânica. Também é diferente do tesão. A paixão mexe muito mais com o que está 'fora' do corpo. O corpo saudável nos permite sobreviver. O viver é com a alma, a mente, e o que ela provoca: o prazer, desejo de se encantar. É o momento da criação, da inventividade. De você ser mais do que um animal. Você é um Deus, pois altera todo o ritmo do universo. O seu universo!". O gole de gim é longo, quase o copo todo.  Rai é um cara sereno. O meu porto seguro. Aflito ou alegre, eu o procuro. Boas reflexões, conselhos, dicas.
"Onde entra o amor?', pergunto. "O amor é o processo maior da evolução humana. A singularidade que nos distingue. A capacidade de encontrar no outro, o nosso complemento. O amor é suave, denso, tranquilo. Nos aceitamos e aceitamos o outro. Todos os defeitos são desconsiderados. Todas as virtudes são reverenciados. O amor soma, nunca divide. Há amor quando nos encantamos com a maneira de fazer o café, admiramos o jeito do outro beber o café, rimos com o pão que molha no café. O amor é reconforto na hora da dor, da despedida de um ente querido, no abraço afetuoso..". Interrompi. 'Isto não é amizade?'. Desta vez, Rai só sorri. "Óh leitor de Mário Quintana, o fã do poeta, nunca leu o que ele escreveu sobre o amor e amizade?. Quintana disse Mauro: A amizade é um amor que nunca morre". Acrescentei que Caetano falou algo parecido. 'Assim como o amor está para a amizade. E quem há de negar que esta lhe é superior". Em silêncio, penso sobre o que Rai falou. Amor e paixão não são tão díspares. Por vezes, complementares.
O Grêmio de Roger e Renato é o melhor que vi. O que mais encanta. O que mais me 'prende' em casa. Quero ver sempre. Me divertir sempre. Me agrada o jeito de jogar. Não importa o resultado. Gosto de 'apreciar, vivenciar' o belo jogo. "Mauro, meu querido Mauro, o Grêmio ocupa um espaço fundamental na tua vida. Começou como paixão.  Afinal, foi a camisa, as cores, o chute do Alcindo, que balançou o travessão do Vermelhão, a história que tu gosta de contar, que te tornou gremista. Foi o sofrimento e alegria destes anos que formaram este amor eterno.', falou, já  me dando o abraço de despedida. Antes de sair de sua casa, Raí completou: "Há a loucura de trocar as coisas, o cinema, a leitura, o passeio, o namoro, por um jogo do Grêmio. Mas, não  se preocupe. Às vezes, a loucura é a grande saída para se manter saudável. Viva está loucura bendita".
Vou pela rua, cantando baixinho, a versão da torcida gremista para Despacito:Eu, deixo minha vida de lado só pra te ver. Desde que nasci  sou tricolor. E, não há distância que possa nos separar. Sempre aonde vá contigo estou. Grêmio é a minha loucura, não posso parar. E| a cada domingo eu te quero mais. Pelas tuas cores deixo a vida inteira. Oh! Vamos Grêmio, vamos ganhar'. Cantando 'isto' pela rua? Só pode ser loucura!

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