Mauro Pandolfi
Sou
romântico. Demorei a entender este romantismo. Negava, fugia. Não
mandava flores por falta de grana. Mas, escrevia poesia, ouvia Roberto
Carlos e os bregas, que até hoje escuto e adoro. Tudo discretamente,
quase clandestino, como fazia com os filmes do Trinity. Estas
'paixões' pareciam um desvio de conduta. A 'resistência' a ditadura, o
pensar
comprometido de esquerda exigia uma postura mais agressiva, crítica,
dura. Aquela história 'hay que endurecer, pero sem perder lá ternura
jamás!' era só um poster pendurado na parede do quarto. Papo furado!
Queria confronto
e vencer o confronto. Nélson Mandela me ensinou o que é viver a
política: um país é maior que os pensares ideológicos ou pessoais.
Imagina um Lula ,com o 'o nós contra eles', o que seria da África do Sul? Não
namorei como
queria. Paixões deixei passar. Amor virou amizade. Às vezes, achava a
menina alienada demais. Outras, muito
românticas. Outras, por medo. Só permitia o romantismo no futebol. Fui
apaixonado por
tantos times, por ideias de jogo, por conceito, pelo Inter de Lages,
Ypiranda, Figueira, a Democracia Corinthiana, Barcelona, Milan,
Manchester United, Boca Juniors, tantos, muitos times. Só
um é eterno. Vibro, 'sofro', deliro, fico triste, deprimido, alegre,
festivo, eufórico com o Grêmio. Fui conversar com Rai Carlos, o vidente
cego,
para entender este amor (ou será paixão?), sobre esta loucura (ou a
minha lucidez para encarar a rudeza da vida?) que é o Grêmio. Rimos
muito. Reflexões sem dores que escaparam de um
choro nostálgico.
"Amor
e paixão não são tão diferentes, meu caro Mauro. O amor requer
cumplicidade. A paixão, a mais forte, intensa, é solitária. Paixão é
quando as configurações bioquímicas do cérebro entram em pane. Alteram o
algoritmo do corpo. A química é mexida. Há fusões de elementos não
combinados, aleatórios, diria explosiva. Os neurônios se desequilibram,
provocam uma metamorfose na estrutura da célula e a energia dissipada
gera uma transformação do ritmo cardíaco. Aceleração, agitação, a função
sanguínea é
modificada, quase perigosamente. Aumenta o oxigênio proporcionalmente
com o gás carbônico. Enfim...Tu cai de quatro!".
Eu
'cai' com a explicação dele. 'O filósofo, poeta, o transcendental,
buscando uma explicação científica?" ironizei. A gargalhada sonora
acorda o velho Pablito, o centenário papagaio de Rai. "O corpo é assim. E
como ele reage quando alteramos o estado das coisas. Como uma doença, a
febre é uma tentativa de defesa. O corpo se modifica buscando a cura.
Paixão não é doença, não confunda. Mas, é uma disfunção da normalidade
orgânica. Também é diferente do tesão. A paixão mexe muito mais com o
que está
'fora' do corpo. O corpo saudável nos permite sobreviver. O viver é com
a alma, a mente, e o que ela provoca: o
prazer, desejo de se encantar. É o momento da criação, da
inventividade. De você ser mais do que um animal. Você é um Deus, pois
altera todo o ritmo do universo. O seu universo!". O gole de gim é
longo, quase o copo todo. Rai
é um cara sereno. O meu porto seguro. Aflito ou alegre, eu o procuro. Boas reflexões, conselhos, dicas.
"Onde
entra o amor?', pergunto. "O amor é o processo maior
da evolução humana. A singularidade que nos distingue. A capacidade de
encontrar no outro, o nosso complemento. O amor é suave, denso,
tranquilo. Nos aceitamos e aceitamos o outro. Todos os defeitos são
desconsiderados. Todas as virtudes são reverenciados. O amor soma, nunca
divide. Há amor quando nos encantamos com a maneira de fazer o café,
admiramos o jeito do outro beber o café, rimos com o pão que molha no
café. O amor é reconforto na hora da dor, da despedida de um ente
querido, no abraço afetuoso..". Interrompi. 'Isto não é amizade?'. Desta
vez, Rai só sorri. "Óh leitor de Mário Quintana, o fã do poeta, nunca
leu o que ele escreveu sobre o amor e amizade?. Quintana disse Mauro: A
amizade é um amor que nunca morre". Acrescentei que Caetano falou algo
parecido. 'Assim como o amor está para a amizade. E quem há de negar que
esta lhe é superior". Em silêncio, penso sobre o que Rai falou. Amor e
paixão não são tão
díspares. Por vezes, complementares.
O Grêmio de Roger e Renato é o melhor que vi. O que mais encanta. O que
mais me 'prende' em casa. Quero ver sempre. Me divertir sempre. Me
agrada o jeito de jogar. Não importa o resultado. Gosto de 'apreciar,
vivenciar' o belo jogo. "Mauro, meu
querido Mauro, o Grêmio ocupa um espaço fundamental na tua vida. Começou
como paixão. Afinal, foi a camisa, as cores, o chute do Alcindo, que
balançou o travessão do Vermelhão, a história que tu gosta de contar,
que te tornou gremista.
Foi o sofrimento e alegria destes anos que formaram este amor eterno.',
falou, já me dando o abraço de despedida. Antes de sair de sua casa,
Raí completou: "Há a loucura de trocar as coisas, o cinema, a leitura, o
passeio, o namoro, por um jogo do Grêmio. Mas, não se preocupe. Às
vezes, a loucura é a grande saída para se manter saudável. Viva está
loucura bendita".
Vou pela rua, cantando baixinho, a versão da torcida gremista para Despacito:“Eu,
deixo minha vida de lado só pra te ver. Desde que nasci sou tricolor.
E, não há distância que possa nos separar. Sempre aonde vá contigo
estou. Grêmio é a minha loucura, não posso parar. E| a cada domingo eu
te quero mais. Pelas tuas cores deixo a vida inteira. Oh! Vamos Grêmio,
vamos ganhar'. Cantando 'isto' pela rua? Só pode ser loucura!
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