terça-feira, 22 de novembro de 2016

El Cid



Mauro Pandolfi

É o dono da bola. Ela procura seus pés.  Ele acaricia. Gira o jogo para um lado. Vira para o outro lado. Acelera. Cadencia. A figura é imponente. Se destaca na multidão do meio-campo. Quase não corre. Seus passos são lentos. Flutua nos espaços vazios. Procura um atalho. Ele conhece todos. A sua presença gera confiança. Aumenta a estima de seus companheiros. É a certeza de uma solução, onde não há mais saída. Só há esperança. Ela surge numa cobrança de falta. A bola viaja, lenta, rumo ao coração do gol.  Os torcedores confiam no seu talento, na dedicação amorosa, na bravura. Marquinhos Santos é o cérebro, coração e alma deste Avaí que desafiou a lógica da bola, a verdade dos comentaristas, as incertezas dos torcedores e o sobrenatural do teatro de grama e paixão. Ele é o El Cid avaiano. O herói que nunca abandona as batalhas. O guerreiro imortal feito o espanhol. Ressurge sempre. Basta a sua presença física para despertar  a chama da vitória. As loucas batalhas são vencidas. Nem o tempo abala a sua fúria.
Marquinhos Santos é um dos melhores jogadores daqui. Habilidoso. Preciso na cobrança de falta. A bola na entrada da área não é meio gol. É um gol inteiro. Dois, três passos. O olhar de quem calcula a distância, a força, a velocidade. A batida é certeira. Resta ao goleiro apenas acompanhar a trajetória. Foi assim contra o Náutico, É só mais uma qualidade. A principal! Gosto da maneira dele controlar o jogo. A postura e o posicionamento. Abre pelos lados. Sempre fugindo do marcador. Rege o jogo. As mãos de um maestro orienta o melhor lance. Marquinhos Santos é raro. Um meiocampista que se reinventou, descobriu os novos olhares do futebol. Pena que já tem 35 anos. Logo, logo, será saudades. A lembrança será um poster no quarto de algum 'avaixonado'.
"Êssi Avaí fásh côza!" A filosofia mané elúcida a ilogicidade da bola. O Avaí saiu de um tormento para glória. Desafiou a imprensa e seus profetas, os torcedores lúcidos, os fundamentalistas, os apavorados. Todos temiam a queda. Subiu! Que mágica foi esta? Aquele time terrível, de maus jogadores, com um arremedo tático se reinventou. Trabalho, acaso  ou era um engano de análise? Sempre achei o time melhor que os comentaristas diziam. Via qualidades individuais, técnicas, de estrutura de armação de jogo. Não sou um vidente como o meu amigo Rai Carlos. Alias, ele sempre falou que o ceu é azul e a festa de final ano, tambem seria azzura. "Este time vai dar coisa. Vai subir. É muit bom! Escreva um texto falando isto. Por que tu não escreve sobre o futebol daqui? Se perde em Messi, Neymar e nos delírios gremistas. Olhe o seu chão, Mauro!" Boa pergunta que não sei a resposta.
O Avai é consistente. Sereno, tranquilo, cirúrgico. Defesa sólida, variação tática, certeiro no ataque. Muda o sistema de jogo sem trocar jogadores. Alterna os movimentos, os passes com a lucidez das ótimas equipes. Não é vistoso. É preciso. Há jogadores preciosos e um técnico inventivo, perspicaz. E, como dizem, 'um ótimo gestor de pessoas'. Gestor é um termo que vai substituindo o 'velho motivador'. O goleiro Renan é espetacular. A solidez defensiva passa por Alemão e os zagueiros Fábio Sanches e Betão formam um paredão. Poucas equipes tem um lateral enérgico, agressivo, como Capa. O meio é equilibrado. Tem a segurança de Luan, as longas passadas de João Felipe e a multiplicidade de Renato. Um meia deste tempo. Movimentos, deslocamentos, passes, sempre  a procura de espaço vazio para facilitar a jogada. Jogadoraço!
Há ainda Diego Jardel. Antigo e moderno. Capaz de lances fantásticos com uma fuga inesperada do jogo. Este desequilíbrio impede ser um belo jogador. O garoto Rômulo vai brilhar muito pelos campos deste planeta. De Marquinhos, já escrevi. Uma equipe que mostra que o impossível não existe. Às vezes, o impossível é apenas a qualidade não observada
Manter a equipe ou reforçar? O dilema de 2017. Tomara que a direção não escute os profetas que diferenciam tanto Série A a de B. Fique com este time, acrescente alguns jovens, promessas de times menores e fuja dos medalhões. Será inevitável perder alguns jogadores. É a lógica do capital no futebol econômico. É a crueldade da grana que 'constrói e destrói coisas belas'. O futebol é feito de sonhos. Ainda somos um ioiô. Descemos e subimos com a mesma velocidade. Mas, um dia, quem sabe, a ilusão mude a história da bola. Porém, como todos sabem, as ilusões estão perdidas.

PS: Este texto é escrito por um torcedor do Figueirense que acredita que a rivalidade deve ser encarada com mais afeto. Nem todas, é verdade!


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