"Nunca vi coisa igual! Nunca vi coisa igual!
O
espanto foi do lendário Ruy Carlos Ostermannm, o comentarista que
sempre tratou o futebol como uma epopéia poética e analisava, cada
lance, cada jogada, a dinâmica do jogo, com a profundidade de um
filósofo.
Mauro Pandolfi
Poesia
no futebol não é apenas o drible estético. Nem o passe métrico como um
soneto. A poesia vai além da beleza pela beleza, do estilo pelo estilo,
do devaneio pelo fetiche da arte. A poesia transforma o grito, a
indignição, a fúria, em uma narrativa épica, gigante, imensa,
indescritível. Assim foi a Batalha dos Aflitos. Nem o tempo diminuiu o
fascínio deste jogo. O jogo mais inesquecível para os gremistas. Há 15
anos sofri, chorei. Mas, como um certo Roberto repete sempre, 'o
importante foi que emoções, eu vivi!' As cenas se repetem feito um
vídeoteipe na memória.
E, como foi emocionante!
Assombroso! Não foi o melhor jogo que vi do Grêmio. Muito longe disto.
Nem o mais importante. Renato comandou o mais relevante de todos numa
madrugada de Tóquio. Porém, é o o que mais lembro. Já contei a história,
feito um velho tio, inúmeras vezes para os meus sobrinhos, para os
filhos dos amigos, para os meus. Hoje, 15 anos depois, André e Pedro
lembraram de cenas, de palavras, de cantos, das lágrimas, da festa, da
alegria. E, eles não ligam para o futebol. No entanto, a Batalha dos
Aflitos, a emoção dos pais (Elaine chegou a chorar e borrar a maquiagem
para o casamento da Ellis e do Guido) e dos tios, deixou marcas no
coração, na alma, na história de nossas vivências e na memória afetiva.
É,
provavelmente, a última memória que publico no blog neste ano. Deixei
para o fim a Batalha dos Aflitos. Uma das maneiras de perpetuar algo é
sempre contá-lo. Nunca como farsa. Sempre como epopéia. Eis a epopéia
maior dos gremistas. Ah, parabéns a Ellis e o Guido pelos quinze anos de
casados. Escolheram a melhor data possível para celebrar e comemorar um
casamento. Um dia de batalha...
Dez anos!
Mauro Pandolfi
Impossível!
O substantivo masculino do imponderável se transmutou em um
outro extraordinário: Inacreditável! Há dez anos, um guri de 17 anos
provocou esta
mudança no léxico. Anderson andou, flutuou, driblou zagueiros, entrou
na
área, deslocou o goleiro e transformou um simples gol numa façanha
épica, eterna, contada como fantasia em todo mundo da bola. A Batalha
dos Aflitos é o momento em que os gremistas descobriram que Cândido Dias
inventou em 15 de setembro de 1903 foi a alma. O futebol é o
elo que une as almas negras, azuis e brancas.
71
segundos tem o tempo da magia. Do pênalti defendido por Gallato ao gol
de Anderson. Do medo, desespero, desconfiança, vergonha para a alegria, o
prazer, a mistificação. Sete homens e um destino. A libertação da dor
gremista. A fuga da 'humilhante' segunda divisão. É a grande vitória do
Grêmio. Não é a maior. É a mais impactante. O título é irrelevante,
até desnecessário. A conquista é fantástica, mítica. É a nossa glória. A
imortalidade cantada no hino é materializada. Esta Batalha é o maior
drama contado no teatro de grama e paixão.
Mas,
é também a marca da nossa 'tragédia'. Somos reféns do feito. Esperamos
sempre que se repita. Um lance, um pensamento mágico nos libertará,
outra vez. O meu amigo Rai Carlos, o vidente cego, afirma que o Grêmio
voltará a ganhar títulos quando deixar de ser imortal. "O novo só vem
quando o velho vai embora. Para renascer, tem de morrer. O imortal é
eterno. Vive dos feitos antigos. Só com fim do Olímpico e a Batalha dos
Aflitos se tornar somente história, seremos campeões", afirma. Como um
feito deste não ser eterno? Impossível! Inacreditável torná-lo algo
mortal!.
Era
sábado. Quente, muito quente, infernal. Fim do sufoco. Liberdade! A
volta! O dia do casamento da Ellis e do Guido. Era o padrinho. O terno
já estava separado. O jogo corria forte. Pedro e André, pequenos,
saudades daqueles dias!, assistiam comigo. A Elaine estava se arrumando.
Bisbilhotava sorrateira os lances. "Quanto tá?", perguntava. Veio a
confusão. Parei. Um expulso. 'Meu Deus', exclamei. O pênalti. A segunda
expulsão. 'Ferrou!', falei. A terceira expulsão. "Calma, pai!", diz o
André. A quarta. 'PQP!', berrei. A Elaine veio até a sala. "O que foi?",
quis saber. Contei. O pênalti vai ser batido. Silêncio. O jogador
corre, bate, Gallato ... defende!!!. Vibramos! Nem deu tempo de gritar.
Anderson está dentro da área....é golll! Pulamos, gritamos, saltamos,
nos abraçamos. As lágrimas escapam. "Vou estragar a maquiagem",
choramingava a Elaine. O bom senso dela não deixou eu ir ao casamento
com a camisa do Grêmio. Lá, encontro o Márcio e o Mário. Abraçados,
cantamos o hino. O dia de futebol mais emocionante de nossas vidas. Nada
será maior.
Dez
anos! O tempo passou. Vivemos tantas coisas. André e Pedro são
adolescentes. Não gostam de futebol. A Elaine continua bonita. O Mário, o
Márcio e eu ainda nos encantamos com o futebol, nem tanto com o Grêmio.
A bola ainda me seduz. Vibro, suspiro pela bola bem tratada, bem
jogada. Um belo jogo de futebol é uma das melhores aventuras da vida. No
entanto, quando escuto o nome A Batalha dos Aflitos o coração dispara,
aflige, machuca. Me sinto mais torcedor, amante tricolor, um imortal. Eu
sou um highlander gremista. "Até a pé nós iremos......"!
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