"A vida necessita de ilusões...então, para viver, necessitamos de arte a cada momento".
Desconfio
que Friederich Nietzsche treinou algum time alemão ou escreveu algum
texto sobre futebol. Entendeu, como poucos, a função da arte e do
imaginário no teatro de grama e paixão.
Mauro Pandolfi
O
futebol é imaginário! A realidade é uma ilusão de ótica. A poesia é
mais encantadora que a técnica. É mais apaixonante! Transforma em vida
aqueles gritos de festa, de desespero, de chamada para a luta. A prosa
sobrepõe a tática. Quebra a estratégia de um pensar com seu jogo
encandeado, organizados em parágrafos, cerebrais ou intuitivos, mais
poderosos que uma solidez defensiva. O drible, aquele dado por quem tem
'asas na chuteira' - o grande achado poético de Chiko Kuneski -, não é
um jogo de corpo para enganar o adversário. É um passo de uma dança, um
balé requintado, tão surpreendente, tão envolvente, como se fosse uma
metáfora de uma reflexão filosófica sobre ética e moral. O passe é um
discurso silencioso mais eloquente do que o mais sagaz dos políticos. Há
tempos que o futebol deixou de ser uma disputa tribal. A arena lembra
mais um teatro de grama e paixão, onde a vida é encenada, como um
espelho. O futebol é o mais espetacular engano da vida. Quando o
futebol perde o imaginário, ele se torna o mais lúdico e triste olhar da
realidade.
O futebol de agora é real! Duro, seco,
previsível. Não há mais poesia e nem prosa. O teatro de grama e paixão
ficou vazio. Assim, como o jogo. Não foi a pandemia que destruiu a
beleza da jogo. Ela, a pandemia, ressaltou o passado que desfilou dias e
dias nas tevês cheia de ilusões, de farsas, de histórias, de heróis e
semideuses. Foi a volta do futebol que aniquilou o imaginário. O futebol
ficou mais burocrático, sem alma. Virou um evento chato, frívolo,
muitas vezes, insuportável. Não há o grito que inventa vitórias e impede
derrotas. Não há mais o canto que transforma o homem comum num
'superhomem' para nos redimir de nossos fracassos. Estamos vendo 'o
crepúsculo dos deuses', onde Leonel Messi perdeu a divindade, assim com
Pep Guardiola e Jurgen Klopp. Os grandes times pré pandemia se
desmoronam jogo a jogo, tornando-se saudades. A solidez desmanchou no
ar. Só Cristiano Ronaldo sobrevive. Mas, sempre duvidei que fosse
humano.
Gosto de escalações. São poesias declamadas.
A última que me doía tanto recitar era: Diego Alves; Rafinha, Rodrigo
Caio, Pablo Mari e Filipe Luís; Arão, Gérson, Arrascaeta e Everton
Ribeiro; Gabigol e Brino Henrique. Obra de Jesus, o mágico e sedutor.
Parecia eterno, para sempre. É para sempre! No imaginário, na paixão de
um torcedor. O tempo moveu a ilusão para a realidade. Jesus, depois do
terceiro mês, partiu. O encanto foi sumindo, desaparecendo, surge por
instantes, só por instantes. assim é o futebol! É efêmero e perene, na
doce contradição do viver. Um flamenguista, assim como um gremista
saudoso do Grêmio 2017 - já foram os santistas os botafoguense, os
vascaínos, os colorados, todos os torcedores que amaram um supertime,
esperam sempre o retorno da extrema felicidade vivida. O futebol é
imaginário como memória. Só como história! Iguais aquelas contadas nas
rodas dos bares, num almoço de domingo, num reencontro de velhos amigos.
Era uma vez...
Nem todos os
jogos tem noventa minutos. Às vezes, pouco mais de vinte ou dez. Vou
desistindo quando a bola não é poética. Quando os passes não tem nexo.
Chutados, largados, perdidos. Só Grêmio me mantém até o fim da partida. É
o suspiro da paixão. Mas, não sofro mais. Nem grito gol com a fúria
saindo das entranhas. Vejo por esperança, por desejo, por um drible de
Pepê, por um gesto elegante de Jean Pierre, por reconectar com o
Maurinho e o Vermelhão, por, ainda, amar o futebol.
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