terça-feira, 10 de setembro de 2019

Yesterday

 

"De repente
Eu não sou metade do homem que costumava ser
Existe uma sombra pairando sobre mim
Oh, o ontem veio de repente..."
Talvez tenha sido esta canção dos Beatles que me ensinou que o passado é sempre melhor, que nunca passa, que depuramos, idealizamos, que o inventamos e o eternizamos em nossa memória. E, é somente um engano.

Mauro Pandolfi

O cinema é a melhor forma de escapismo que conheço. Melhor que o futebol. O imaginário é mais amplo, poético, o jogo de luzes e a música produzem víscerais ou singelas fábulas. 'Yesterday" é uma destas quimeras, meio distópica, meio nostálgica, adorável, de um mundo que se apagou. O personagem, um músico frustrado, toca Beatles em um bar. Todos param, escutam com uma emoção intensa como se ela fosse inédita. Ele descobre que ninguém conhecia Yesterday e nunca tinham ouvido falar de Beatles. Esta bela comédia romântica me gera um desespero de acordar um dia e notar que o Grêmio é uma fantasia minha. Só minha. De mais ninguém. Só eu desejo 'ir até a pé', que somente eu conheço Osvaldo Rolla, Renato, Everaldo, Carlos Miguel, Luís de Carvalho, Eurico Lara.  Que vivi um coliseu chamado Olímpico e a história do maior zagueiro de todos os tempos, Aírton Pavilhão, é um delírio meu. Ele chapelou Pelé com um toque de charles, uma espécie de bailado. O  voo libertador de André Catimba nunca existiu e que a Batalha dos Aflitos é uma ficção impossível. Nem no playstation se vence com sete. Imagine num campo real. Seria a mais encantadora de minhas histórias antes de ser internado por loucura ou perturbação da ordem.
Estou sozinho numa praça. Isolado num canto. Os pombos como testemunhas. 'Vou contar sobre o mais fantástico clube de futebol que já existiu do mundo', aviso aos transeuntes. Raros os que param. Poucos os que escutam. Quase todos riem. Sinto-me o lunático de histórias que pregam o fim do mundo. Nunca o fanático religioso que deseja a conversão de quem escuta. 'E, tudo começou com uma bola. O símbolo é uma bola. Foi Cândido Dias quem trouxe... E, o primeiro feito foi o indiscutível 10 a 0 no Grenal", explico. Este é um dia para rever em uma máquina do tempo.
A tarde apenas começava. Era o momento de desfazer enganos, equívocos. Somos 'pretos, azuis e brancos' desde Adão Lima, o primeiro negro a jogar em 1926, até Tesourinha, quem definitivamente  tornou o Grêmio de todos. Cantar o belo hino de Lupicínio Rodrigues. Ele 'desafiou' uma greve de trens para ver o Grêmio. Descobriu que para estar com o Grêmio, onde o Grêmio estiver, para o que der e vier, se for preciso, até a pé nós iremos. Como esquecer de Bombardão, o negro pobre,  cuja a gargalhada explodia o Olímpico. E, de Gilberto Gil ao explicar ao repórter a sua paixão: 'Grêmio pelo azul do céu, o branco da paz e o negro de minha cor'. Não pode faltar o Grêmio no mundo.
Encarei como missão lembrar o mundo do Grêmio. Falar de Foguinho, de Eurico Lara, de Luís de Carvalho, do campeão Farroupilha de 1935 - título que será comemorado por 100 anos. Dos doze campeonatos em treze anos. Da máquina, quase perfeita de Osvaldo Rolla, do genial Gessy, de Marino e seus quatro gols num Grenal, do pavilhão Aírton, do tanque Juarez, do bugre xucro Alcindo, dos pequeninos João Severiano e Babá. Faltará espaço para tantos nomes e cores. Como não lembrar de André que nos libertou do jugo vermelho. Sem esquecer de Luís Carlos, Loivo, Ancheta que resistiram aos anos de chumbo colorado. De Tarciso, tão rápido feito uma flecha negra, do cerebral Tadeu Ricci, da garra de Oberdan e do gol de Iúra, aos 14 segundos, quase enganou Einstein em tempo e espaço. O Grêmio é imenso. A paixão é quase do mesmo tamanho.
Rememorar o definitivo time dos anos 90. De Danrlei, Arce e Arilson. Da bola voadora a procura da cabeça de Jardel. Equipe vísceral que moldou o futebol brasileiro. Mas, é Renato o grande ícone deste clube feito da bola. O balão mágico que achou César e depois, como fantasia, entortou alemães numa madrugada. E, feito ilusão, montou o melhor Grêmio que vi. A arte e o prazer em brincar com a bola. O que se reinventa após as derrotas. 
Perplexo ainda com a história do filme, sou interrompido por um garoto de cabelos loiros e longos, lembrando um outro guri, de outro tempo. Ele usa uma camisa de três cores em linhas verticais. Conheces o Grêmio?  Espantado, respondeu. 'Quem não conhece o time que rima bola e paixão. Que teve Renato, De León,  Luan, onde impossível e o inacreditável não existem? É o clube que levo na alma'. ...Yesterday é só cinema. Ufa!!!

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