"De repente
Eu não sou metade do homem que costumava ser
Existe uma sombra pairando sobre mim
Oh, o ontem veio de repente..."
Talvez
tenha sido esta canção dos Beatles que me ensinou que o passado é
sempre melhor, que nunca passa, que depuramos, idealizamos, que o
inventamos e o eternizamos em nossa memória. E, é somente um engano.
Mauro Pandolfi
O
cinema é a melhor forma de escapismo que conheço. Melhor que o futebol.
O imaginário é mais amplo, poético, o jogo de luzes e a música produzem
víscerais ou singelas fábulas. 'Yesterday" é uma destas quimeras, meio
distópica, meio nostálgica, adorável, de um mundo que se apagou. O
personagem, um músico frustrado, toca Beatles em um bar. Todos param,
escutam com uma emoção intensa como se ela fosse inédita. Ele descobre
que ninguém conhecia Yesterday e nunca tinham ouvido falar de Beatles.
Esta bela comédia romântica me gera um desespero de acordar um dia e
notar que o Grêmio é uma fantasia minha. Só minha. De mais ninguém. Só eu
desejo 'ir até a pé', que somente eu conheço Osvaldo Rolla, Renato,
Everaldo, Carlos Miguel, Luís de Carvalho, Eurico Lara. Que vivi um
coliseu chamado Olímpico e a história do maior zagueiro de todos os
tempos, Aírton Pavilhão, é um delírio meu. Ele chapelou Pelé com um
toque de charles, uma espécie de bailado. O voo libertador de André
Catimba nunca existiu e que a Batalha dos Aflitos é uma ficção
impossível. Nem no playstation se vence com sete. Imagine num campo
real. Seria a mais encantadora de minhas histórias antes de ser
internado por loucura ou perturbação da ordem.
Estou sozinho
numa praça. Isolado num canto. Os pombos como testemunhas. 'Vou contar
sobre o mais fantástico clube de futebol que já existiu do mundo', aviso
aos transeuntes. Raros os que param. Poucos os que escutam. Quase todos
riem. Sinto-me o lunático de histórias que pregam o fim do mundo. Nunca
o fanático religioso que deseja a conversão de quem escuta. 'E, tudo
começou com uma bola. O símbolo é uma bola. Foi Cândido Dias quem
trouxe... E, o primeiro feito foi o indiscutível 10 a 0 no Grenal",
explico. Este é um dia para rever em uma máquina do tempo.
A
tarde apenas começava. Era o momento de desfazer enganos, equívocos.
Somos 'pretos, azuis e brancos' desde Adão Lima, o primeiro negro a
jogar em 1926, até Tesourinha, quem definitivamente tornou o Grêmio de
todos. Cantar o belo hino de Lupicínio Rodrigues. Ele 'desafiou' uma greve de trens
para ver o Grêmio. Descobriu que para estar com o Grêmio, onde o Grêmio
estiver, para o que der e vier, se for preciso, até a pé nós iremos.
Como esquecer de Bombardão, o negro pobre, cuja a gargalhada explodia o
Olímpico. E, de Gilberto Gil ao explicar ao repórter a sua paixão:
'Grêmio pelo azul do céu, o branco da paz e o negro de minha cor'. Não
pode faltar o Grêmio no mundo.
Encarei como missão lembrar o
mundo do Grêmio. Falar de Foguinho, de Eurico Lara, de Luís de Carvalho,
do campeão Farroupilha de 1935 - título que será comemorado por 100
anos. Dos doze campeonatos em treze anos. Da máquina, quase perfeita de
Osvaldo Rolla, do genial Gessy, de Marino e seus quatro gols num Grenal,
do pavilhão Aírton, do tanque Juarez, do bugre xucro Alcindo, dos
pequeninos João Severiano e Babá. Faltará espaço para tantos nomes e
cores. Como não lembrar de André que nos libertou do jugo vermelho. Sem
esquecer de Luís Carlos, Loivo, Ancheta que resistiram aos anos de
chumbo colorado. De Tarciso, tão rápido feito uma flecha negra, do
cerebral Tadeu Ricci, da garra de Oberdan e do gol de Iúra, aos 14
segundos, quase enganou Einstein em tempo e espaço. O Grêmio é imenso. A
paixão é quase do mesmo tamanho.
Rememorar o definitivo time dos
anos 90. De Danrlei, Arce e Arilson. Da bola voadora a procura da cabeça
de Jardel. Equipe vísceral que moldou o futebol brasileiro. Mas, é
Renato o grande ícone deste clube feito da bola. O balão mágico que achou César e depois, como fantasia, entortou alemães numa
madrugada. E, feito ilusão, montou o melhor Grêmio que vi. A arte e o
prazer em brincar com a bola. O que se reinventa após as derrotas.
Perplexo
ainda com a história do filme, sou interrompido por um garoto de
cabelos loiros e longos, lembrando um outro guri, de outro tempo. Ele
usa
uma camisa de três cores em linhas verticais. Conheces o Grêmio?
Espantado, respondeu. 'Quem não conhece o time que rima bola e
paixão. Que teve Renato, De León, Luan, onde impossível e o
inacreditável não existem? É o clube que levo na alma'. ...Yesterday é
só
cinema. Ufa!!!
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