segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O gol...ou quase?

 

"Tá no filó!! Tem peixe na rede...!!! É, é, é, é...!!! Urra, urra, urra!!! Queee lannncee!!! Bagunçou  a roseira!!! Tá lá!!! Sacudindo, sacudindo...!!! Balançou o véu da noiva!!! É fogo, é gol...!!!E que gooolll!!! Gol, gol, gol, gol!!!"
O narrador é o poeta do futebol. Frases, cantos, citações, fazem parte de minha memória, do menino ao velho, ainda me encanto como o grito de gol.


Mauro Pandolfi

A baliza do futebol mede de um poste até o outro 7,32 metros. A altura é de 2,44 metros. A circunferência da bola tem entre 68 e 70 centímetros. O peso (que não faz parte desta história) fica entre 410 e 450 gramas. Se soubesse matemática, cálculo de área, saberia dizer quantas bolas cabem no quadrado mágico. As meninas do Flamengo, no campeonato carioca, tripudiaram do pobre Greminho - olha!, os deuses do futebol, olha!... - e colocaram 56 bolas no barbante. Será que 56 bolas, lado a lado, uma em cima da outra, cabem na baliza? Como não sei fazer o cálculo, às vezes, fico encantado com uma só bola balançado o 'véu da noiva'. Nada supera o gol. Nem drible, muito menos a linha de passe. Quem sabe, a defesa do goleiro. Aquela impossível, que fica permanente na memória do futebol. O gol é a poesia, o momento idílico do artilheiro e do narrador. É a voz que torna eterno o gol. E, o que é o gol?
O gol é um latifúndio. Tem a imensidão da desgraça e a fúria da esperança. É o ponto de encontro do riso e da dor. Vitória e derrota são o mesmo lado da moeda, gêmeos no desespero. É o lugar onde a humanidade tropeça. O herói é desconstruído. O comum é tornado deus. O erro e o acerto andam de mãos dadas feito namorados. No erro, o ídolo é imolado, decapitado, consumido em partes, devagar. O perna de pau é devorado por inteiro, num ódio bíblico. Mitificam-se no acerto. O gol é a tragédia do futebol.
Maldito. Perambula pelo espaço exíguo como se tivesse perdido no infinito. Vive intensamente a emoção da glória e do fracasso. O goleiro não é um jogador de futebol. Nem detalhe tático, nem profissão. É um angustiado personagem de um teatro de grama e paixão. Solitário ator que tenta impedir o desejo do jogo. A alegria do gol é o riso da morte de um goleiro.
Alguns dos gols mais bonitos são os que  não foram gols. Os que são quase. O gol que Pelé não fez lá do meio -campo é mais bonito, emblemático, do que todos que foram feitos lá do meio-campo. Cada torcedor, cada amante, cada poeta, tem o seu quase gol. Aquele que mudaria tudo, que seria uma outra história. É só memorável por não ter sido gol. Por tornar-se lenda, onde o impossível é sempre possível. Bastava ter acontecido.
O mais triste, e o mais psicólogico, gol do futebol é do pênalti. Onde o medo reforça o drama.. Estáticos. Olhares trincados. Músculos retesados. Tensão. Há algo cínico no pênalti. Onze passos de uma execução. Pelotão de fuzilamento. A rede não é de proteção. Ele corre. Ele curva-se. Ele bate. Ele voa. A bola, traiçoeira, escapa, tocando nos dedos e aninha-se na rede. Ele pula, soca o ar! Ele estatelado, soca o chão. O gritos se confundem! De alegria e fúria. A cena pode ser outra. Mas, só é encantada quando o goleiro é do nosso time.


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