sexta-feira, 8 de maio de 2020

Memórias...(7)

 

"O sol já se foi, agora só nos resta as memórias daquela luz".
Lembrei da frase de Naruto, um anime que meus filhos assistem, ao lembrar do gol de bicicleta de Pelé em 'Fuga para a Vitória', de John Huston. É o encontro da beleza com a liberdade. Também, é o temor que a liberdade se torne somente a luz que ficou do sol.

Mauro Pandolfi

Há 75 anos o mundo começava a festejar a liberdade. Era o fim da Segunda Guerra na Europa. O terrível vírus tinha uma forma humana, embora chamar Adolf Hitler de humano é um exagero, que destruiu sonhos, matou milhões em nome da estupidez racial, da soberba eugenia e do totalitarismo criminoso, estava derrotado. No Redação Sportv, Ariel Palácios despertou a memória afetiva do futebol que divido em duas: a mágica, triste, fantástica história do Start.  A primeira, a leitura na Placar sobre o Time da Fábrica de Pão. Tinha 14 anos, me emocionei com a história, nunca esqueci. A outra, foi no cinema, já adulto, ao vibrar com o gol de Pelé, a bicicleta mais que perfeita, em A Fuga Para Vitória, o libelo de John Huston. As lágrimas sempre aparecem quando vejo cenas do filme, trechos da reportagem de Placar ou quando é contada com maestria, como fez Ariel Palácios.
Na minha sequencia de memórias, a minha fuga para manter a lucidez, republico o texto que fala do filme, da história, a magia do futebol. Quem sabe, alguém irá ler. Talvez, se emocione.

Fuga para Vitória

"Não temos armas, mas podemos batalhar pela nossa própria vitória no gramado. Vamos jogar com a cor da nossa bandeira, os nazistas vão ver que esta cor não pode ser derrotada."
Declaração de Nikolai Trusevich, lendário goleiro do Dínamo de Kiev nos anos 30, que formou com amigos o fantástico time FC Start. O 'time da padaria', como era chamado, ganhou um campeonato organizados pelos alemães no de 1942. O maior desafio foi no dia 9 de agosto quando venceu a revanche contra o Flakelf, equipe da Luftwaffe, por 5 a 3. Dias depois foram presos num campo de concentração. Alguns foram executados. Os sobreviventes são considerados heróis e o futebol virou símbolo de resistência e liberdade.

Mauro Pandolfi

Quinta à noite. Os dedos ágeis no controle buscam um bom jogo de futebol. Os canais vão passando. Música, séries e os bons meninos da Copa São Paulo. Vi por instantes. Insatisfeito, busco uma reprise de uma grande partida. Encontro um filme. O primeiro 'ator' que ocupa toda a tela é Pelé. Está lá o olhar atilado, o topete, o jeito confiante, a certeza. A câmera procura outros. Vejo Ardiles e Bobby Moore. Ao ver Michael Caine reconheço o filme. 'Fuga para a vitória' tem algumas cenas mais geniais do jogo da bola. O gol de bicicleta de Pelé é mais do que arte. É um gesto de liberdade. A liberdade que a multidão descobre ao final do filme.
 O que mais gosto no filme são as cenas do futebol. É tão difícil reproduzir o instintivo jogo de dribles. Lembro que vibrei com o gol de Pelé. A bicicleta perfeita. O corpo no ar, o giro, a batida seca e forte. Os gritos da multidão e o meu isolado no cinema.  Ouvi risos! A paixão falou mais alto. Quando Michael Moore explica o jogo, o trinitário Luis Fernandes o interrompe. pega o giz e mostra como será o lance. "Eu pego a bola aqui, passo por ele, vou por ali, avanço e faço o gol!'. Na dublagem, fica claro quem é ele, ao terminar dizendo: 'entende!'
Tinha entre treze e catorze anos quando li a matéria na Placar sobre o 'time da fábrica de pão'. Os ousados ucranianos que desafiaram os nazistas e preferiram a morte do que perder a partida. Aquela história sempre me acompanhou. Quando assisti 'Fuga para vitória' chorei. Vi que futebol é mais que um jogo. Um libelo, um desejo de vida. O olhar terno de John Huston com os perdedores tornou o filme, pelo menos para mim, inesquecível. Tempos depois li a frase de Arrigo Sacchi: 'futebol é a coisa mais importantes das coisas sem importância' Será? Acho que o futebol é apenas fundamental.
A fuga estava desenhada para o intervalo. A derrota, os gritos de um estádio, mudaram a decisão dos jogadores. Resolveram encarar o provável destino e mudar o resultado. Quando Sylvester Stallone defende o pênalti, a multidão arrebenta os alambrados, os portões, invade o campo, carrega os jogadores para a liberdade. Futebol é assim. O futebol sempre flerta com a liberdade. Basta ver um menino com uma bola na rua, num campinho, numa praça. Livre e solto. Nada o prende. Só desejo de brincar. O drible é o seu balé. O gol fica eternizado em sua memória.  Peça para um adulto lembrar de sua infância: há sempre um gol nas suas lembranças.

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