"A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente".
Quase me perdi no 'delírio' de Einstein ao assistir Argentina x Inglaterra da Copa de 1986. Por raros instantes pensei que era outra vez o jovem jornalista que se encantou com Diego Maradona. Logo percebi que sou somente o velho que ainda se encanta com Maradona. Valeu a ilusão perdida do tempo.
Mauro Pandolfi
Revi o jogo de Diego Maradona quando usou a mão de Deus para enganar os ingleses. Feito um falso pastor usou a divindade em seu benefício. Exatamente igual aos truques dos falsos pastores utilizam para enganar os crédulos ingênuos, os desesperados, os estúpidos e multiplicar as suas fortunas. Maradona é o gênio de minha geração. Inexplicável como uma teoria de tempo e espaço. Parecia perdido em meio a fortaleza de atletas vigorosos, rápidos e obedientes. Rebelde com causa, Maradona demoliu as certezas de um futebol mais do que perfeito. Controlou o tempo e o espaço feito Deus. Fez o milagre ao usar a mão, imperceptível aos olhos dos juízes, inacansável ao olhar do simples mortal. Driblou em linha reta. a bola como parte inseparável do pé, uma esquadra inteira. O exíguo espaço tinha a dimensão do espaço sideral e os segundos da jogada tornaram-se eternidade.
Viajei pela memória. Por instantes, meros instantes, me vi fazendo a crônica do jogo. Era a minha primeira Copa. Foi a única Copa. A vida tem caminhos, atalhos, curvas, precipícios. Nem o futuro, o que é o presente de agora, garante o acerto ou o erro das escolhas. Diego Armando Maradona é a melhor saudade que tenho do futebol quando fui jornalista esportivo. Virou personagem de minhas mal traçadas linhas como escriba deste blog. Escolhi este texto para lembrar a minha ilusão de tempo e espaço. Mas, como todos já sabem, as ilusões estão perdidas.
Um tango para Diego
Mauro Pandolfi
"Ya sé que estoy piantao, piantao, piantao
No ves que va la luna rodando por callao
Que un corso de astronautas y niños, con un vals
Me baila alrededor. Baila! Veni! Volá!"
"A balada de um louco" de Astor Piazzolla pode ser um tango para Diego.
Maradona e a bola. O futebol sempre foi e será uma fantasia. Ele dá uma media volta e segue a bailar. O canto da torcida lembra uma orquestra executando um tango. Desliza no gramado para o longo caminito. Mano a mano enquadra um rival. A bola é la cumparsita. A esquadra inglesa é envolvida pelos movimentos rápidos e elegantes. Os muchachos acompanham a dança. Vê o zagueiro e arma o gancho. O ultimo movimento é um corte no goleiro. A bola na rede é o derradeiro verso do tango, berrado em plenos pulmões no estádio Azteca. Diego Armando Maradona é o tango jogando. Lírico, encantador, dramático. Aquele gol é arte. Sublime arte. Arte eternizada pelo narrador uruguaio Victor Morales. Ele cantou assim:"....Quero chorar! Deus Santo! Viva o futebol! Golaço...Diegool! ....Maradona é para chorar. Maradona numa corrida memorável. A maior jogada de todos os tempos!....Graças Deus! Pelo futebol! Por Maradona! Por estas lágrimas!..."
Futebol e guerra. O simulacro perfeito. Cores, símbolos, países. O campo e a batalha. O imaginário foi tão real na copa do México em 1986. A Inglaterra humilhara a Argentina nas Malvinas. O conflito suicida armado por um ditador louco e desesperado. Dor, sangue, lágrimas, jovens mortos. O futebol como revanche. Diego Maradona como o comandante supremo. Liderou a batalha, venceu com fúria. Um gol estupendo e uma falcatrua típica latina.
'La mano de Dios' é a sua obra mais famosa. O lance que faz o transitar em sagrado e o profano. Entre deus e o diabo. Entre a glória e a desgraça. Entre a vida e a morte. Maradona é o mais trágico personagem do futebol. Também, o mais genial.
Diego Armando Maradona é a ponta mais aguda do tridente nascido em outubro. Há algo de Pelé, muito de Garrincha. Diego é prosa e poesia. Diego é o futebol. Foi um gênio precoce. Um adolescente atrevido. Um adulto problemático. Um velho a beira loucura. Maradona é um homem complexo. Viveu a lucidez, a glória, a fama, o fundo do poço. Foi excluído como um pária. Reintegrado como um Deus. Desafiou a ordem, rebelde que transitou a margem no futebol. Flertou com a máfia, com ditadores, com drogas e com a morte. Maradona é o melhor representante do fim do século xx. O ídolo da minha geração. Um mito. Uma lenda. Um homem. Tão humano, tão frágil, tão estúpido, tão divino.
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