"Sabe, eu acho que não sei fechar ciclos, colocar pontos finais. Comigo são sempre vírgulas, aspas, reticências..."
Sou
meio Caio Fernando Abreu. Sei que tudo acaba, muda, transforma, mas
resta um tênue fio de esperança que seja só um engano, um tempo dado e
convivo suavemente com o devaneio da perfeição. E, suspiro para que o
ciclo do Grêmio continue, sobreviva, se transforme...
Mauro Pandolfi
Saudades!
Foi uma quinta de saudades. E, de melancolia, também. Fugi do futebol
do dia,a dia, dos programas esportivos encantados com a magia do
Flamengo, dos sites e blogs que suspiram por bola. Na solidão do quarto
busquei memórias, histórias, lembranças, gravações e you tube atrás da
minha paixão gremista. Precisava mantê-la viva. Inabalável! Temi que o
magistral show rubronegro sufocasse o amor gremista. Já que a poesia do
futebol alimenta a alma, afaga o coração, me deixa feliz. Senti a dor.
Curti a dor. Entendi a dor de quem leva cinco a zero no lombo. Dolorido
demais! Certezas são destruídas, dúvidas viram certezas, mesmo as
coisas em construção, tornam-se ruínas, nada sobra, tudo desaba. Fiquei
com medo de perder a paixão. De ficar sem rumo, perdido neste tempo
sombrio, onde o Grêmio é a minha melhor identidade, meu momento de
prazer, de vida meu porto seguro que mantém a sanidade.
A
bola rolou mágica. Começa em Galhardo (quem diria que já fez um lance
deste), chega em Giuliano, passa por Douglas, vai até Luan, que encontra
Douglas que sai para comemorar o golaço contra o Atlético Mineiro.
Vibrei em silêncio. Um gol tatuado exatamente como o de Luan contra o
Cruzeiro. Bola de pé em pé, suave e poética, redonda e sublime, até Luan
encobrir o goleiro. Fantástico! O grito saiu quase mudo. Tantos lances,
tanta magia, um Grêmio que nunca tinha vivenciado, curtido, amado. O
drible de Luan, num mísero espaço, contra o Lanus, na final da
Libertadores, foi outro que vi. Madrugada adentro busco o Grenal dos
cinco a zero. Pulei, acordei todo mundo em casa, me desculpei. Precisava
desta festa para sobreviver o resto da semana até a próxima vitória. A
lágrima que caiu foi solidária com os colorados que sofreram aquele dia.
Não há nada mais dolorido do que uma goleada (estou falando de futebol,
esta coisa sem importância que flerta com a alma). Ela é a destruição
da paixão. Torna a paixão algo menor, trivial, fútil, irrelevante,
mesquinha, traiçoeira.
Não sei o que fará o Grêmio.
Rever os conceitos, métodos, certezas é o mínimo que espero. Que Renato
permaneça. No entanto, que seja mais treinador, menos estátua, esqueça a
sua mitologia, seus feitos de craque, use a sutil arrogância em
aprendizado, em conhecimento, reconheça o valor do outro e se reinvente.
Ele e o time. Que Renato lembre dos meninos e esqueça de seus bruxos.
Que busque jovens com vontade de jogar no lugar de medalhões decadentes e
entediados. Que Renato, mantenha o amor ao jogo, ao prazer de ter a
bola, que não sacrifique mais a beleza do toque, do passe, da volúpia do
gol, pela incerteza da defesa. Seja o Renato de Tóquio ou de Buenos
Aires, o que diz que o 'Grêmio tem o melhor futebol do Brasil' - que
torne este pensar em realidade. Enfim, que o Grêmio continue sendo o
melhor Grêmio que vi jogar. É pedir muito? Não sei! Mas, é o que manterá
inabalável a paixão. E, finalmente, que ninguém chame o Celso!
Quarta
de tristeza. Esperei a ligação que não veio. Nem os flamenguistas do
bairro estavam na rua na madrugada. Até o boteco do Alemão estava
fechado. Nem sinal de Rai Carlos - o vidente cego - que enxerga como
poucos a minha alma. Não falei com ninguém após o jogo. Fiquei em
silêncio. Perplexo! Demorei a dormir. O jogo continuava na mente. Sempre
aparecia um gol do Flamengo. Mais silêncio sem o rádio. Que falta me
faz Rai Carlos e sua imensa sabedoria sobre a derrota, o fracasso, o
desespero e como sobreviver forte, audaz e apaixonado. Imaginei o seu
desencanto em Belo Jardim. A solidão sem os gremistas ao lado. Sem o
boteco do Alemão. Solidão igual a minha. Vou ligar para ele no domingo.
Até lá, vou curtido a solidão e a dor curtindo 'a vela aberta se
afastando pelo mar..' de Walter Franco, que partiu deixando mais triste,
cinza, melancólica a manhã de quinta.
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