quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Quatro segundos


Mauro Pandolfi

O futebol é a melhor explicação para eternidade. Um segundo, um minuto, 90 minutos tem a duração da paixão, da emoção, do inacreditável, do impossível. Gols, lances, títulos permanecem para sempre. Na memória, na história, na saudade de um torcedor. O imponderável, o inesquecível, o mágico transformam-se em mitologia. São contadas de todas as maneiras possíveis. Como farsa, épica, fantasia. Meninos, eu vi! O gol mais rápido da história. Quatro segundos! Narro sempre, como uma lenda, para os filhos, sobrinhos, amigos. Poucos viram. Não há vídeo do gol. É quase clandestino. O autor é outro lendário. Albeneir Marques Pereira é um ídolo do Figueirense, um artilheiro do futebol, um herói da vida.
Era uma vez.... Um domingo perdido em 1986. Laguna, o lugar da história. Um campo pequeno cercado imitava um estádio de futebol. As arquibancadas, as mesmas do carnaval, estavam lotadas. Ao redor do gramado, na geral, a pequena multidão se apertava. Dia para ver o Figueirense de Albeneir. O time grande perdido na segunda divisão catarinense. Equipes em campo. Ritual é mantido. Aquecimento, entrevistas, sorteio de lado. Jogadores estão nas suas marcas, como num teatro. Todos atentos e distraídos. O goleiro do Laguna aquece na entrada da área. Zagueiros conversam. Narradores exercitam a garganta. Tudo uma festa.
Ninguém ligado ao jogo. Ninguém?.Apita o árbitro. Joãozinho dá um leve toque. Albeneir ajeita o corpo, chuta. A bola viaja alta, desce e aninha-se na rede. Nem Pelé fez um gol assim. O tempo que você levou para ler este texto até aqui, foi o tempo do gol. Quatro segundos! Meu relógio marcou cinco . A diferença está entre o gol e o olhar. O desespero do goleiro correndo atrás da bola é a melhor cena de Albeneir no futebol. Joel Passos, supervisor do Figueira, gritava eufórico: "Entendam porque é ídolo. Só craque faz isto!". Ele fez outros gols espetaculares. Como este, nunca mais!

Entrevistei Albeneir algumas vezes. Boas matérias. Falamos de tudo. Política, comportamento, rebeldia juvenil, futebol, vida. Ele era um jogador para hoje. Alto, hábil, veloz, boa técnica. A bola ia longa, pelo lado do campo, no vazio. Partia em disparada. O zagueiro saia na frente. Chegava alguns metros depois. Goleador em vários clubes. O maior deles, o Grêmio. Ídolo no Figueirense. ainda é adorado pela torcida. Albeneir foi menos do que poderia ter sido.
Larguei o jornalismo, o futebol passou a ser uma paixão via tubo. Albeneir e o gol de Laguna eram só uma história que gostava de contar. Um dia, Joel Passos comentou sobre ele e a dura luta contra o vício. "Ele está enfrentando um zagueiro pior do que encarou nos campos", disse. Na disputa contra o rebaixamento do Figueirense, este ano, escutei uma entrevista sua. Afável e esperançoso. Mais uma vez, Joel Passos me dá notícia sobre o goleador. "Está bem. Muito bem!", afirmou. No facebook encontrei uma amiga de adolescência e vi uma foto de Albeneir. Estava sereno, um pouco grisalho, discreto. Parece que marcou outro gol como aquele de Laguna. O golaço da vida.

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