'Todos nós temos nossas máquinas do tempo. Algumas nos levam pra trás,
são chamadas de memórias. Outras nos levam para frente, são chamadas
sonhos'.
A
frase do grande ator Jeremy Irons é o melhor retrato deste meu tempo,
angustiado, entre as dores das perdas, o desespero do genocídio, a
incerteza e a esperança de um outro tempo. Enquanto isto, as memórias me
protegem.
Mauro Antônio Pandolfi
O fascínio com o futebol desapareceu. Não sei se é o exílio. Quem sabe o
flerte com a depressão que o tempo sombrio me oferece. Já
pensei na
nostalgia da vida, no meu olhar romântico, mais leve, humorada, com
alguns sonhos e
uma tênue esperança de um futuro perdido no pretérito. Raras
partidas despertam um encantamento. Infelizmente, nenhuma do Grêmio. Se
tornou um time vulgar, comum, sem a poesia do jogo bonito encenada por
Luan e seus amigos. Alemanha e Portugal, na Eurocopa, provocaram
lembrança dos belos espetáculos
do teatro de grama e paixão. Vi a fúria interminável de Cristiano
Ronaldo. Por instantes, alguns bem eternos, o brilho nos olhos, a força
de super-homem, os desejos de recordes, o talento superior aos demais.
Quem sabe, até de Messi. Assisti Argentina contra o Chile pelas
eliminatórias - a cova américa recuso ver - e Lionel Messi é um
espectro. Não sei se é a frágil parceria ou se o tempo chegou para ele.
Messi ainda guarda a maravilha poética de seus gestos, dribles, passes,
chutes. Há cada vez menos Messi nos jogos. Nunca é invisível. Recusa
a normalidade do teatro de grama e paixão. Busca a ousadia. Porém, o
corpo não obedece.
Não tem a fúria muscular de Cristiano Ronaldo. É um homem normal, não é
máquina. Os dois, em minha paixão perdida, vivem um duelo, que tudo
indica será por toda eternidade. Relembro um texto da última copa quando
se enfrentaram. É a falta de ideias que ausência de fascínio provoca. É
o tempo em que a memória substitue o sonho.
Os duelistas
"As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida".
A poética de Mário Quintana é um belo retrato de minha frustração com os mitos modernos do futebol. Lionel Messi e Cristiano Ronaldo nunca jogaram juntos, nunca trocaram um passe, nunca se abraçaram depois de um gol. Vivem a vida em um duelo de poesia, como se fossem metades de uma bola.
Mauro Pandolfi
Pênalti! Onze metros para o fuzilamento. A bola, o gol, o goleiro, o matador. A rede da trave não é de proteção. É do balanço que encanta as almas dos amantes do jogo. Os lances são idênticos, quase iguais. Olhares diferem os duelistas. A certeza e o medo. Há tempos que Cristiano Ronaldo e Lionel Messi travam um duelo de genialidade, eficiência, imortalidade. Desta vez, Cristiano Ronaldo venceu. Marcou três gols em De Gea, para alguns o melhor do mundo. Messi perdeu para um goleiro que dirige filmes. Olhando a batida, a defesa, fico em dúvida: mesmo mostrado ao vivo para o mundo, suspeito de uma montagem do diretor! Não estou convencido do erro de Messi. Em tempos de teoria de conspiração, contribuo com esta.
Cristiano Ronaldo tem a leveza de um pássaro. Flutua, voa, sem pressão. Todos querem ver o seu jogo. Ele flui em campo. Anda pelos lados, pelo centro, toca a bola com a certeza do passe, do gol. O futebol em Cristiano Ronaldo é um jogo de acertos. E, como acerta. É trivial marcar de pênalti. Incomum é o erro de De Gea no segundo gol. Genial foi a cobrança da falta. Do olhar de águia, do suspiro mágico, precisão, da bola em curva, da rede balançando, do rosto feliz. O tempo aprimorou Cristiano Ronaldo. A intensidade do jogo substitída pela inteligência. Ele não é só o maior finalizado da história. A Copa pode transformar Cristiano Ronaldo no maior de todos os tempos. Ou, no mínimo, o herdeiro legítimo de Pelé.
Lionel Messi também lembra um pássaro. Mas, não tem leveza no vôo. Suas asas carregam um país, uma obsessão, uma injusta comparação. O defeito de Messi é sua genialidade. Acreditam que a sua presença é o sufciente para vitória. Não importa o time, a organização, os parceiros. Basta Messi. Há quatro copas que é assim. Há quatro copas que a Argentina fracassa. É também o fracasso de Messi. O ferrolho islandês, este moderno sistema defensivo de fechar a área, roubar todo espaço, a retranca retrô, anula o movimento ofensivo de toques curtos, rápidos, bonitos. Sampaoli tirou Messi de perto gol. Aos invés de jogar atrás da última linha, o o colocou na frente da segunda. Sampaoli não errou. Era a única chance de talento, vivacidade, imaginação, lances ofensivos de seu time. A vitória esteve nos seus pés. As faltas foram parar longe, sem perigo. O pênalti já estava perdido no seu olhar. Não havia confiança. Havia o medo. O futebol em Messi é um jogo de acertos e erros. Contra a Islândia, errou.
Cristiano Ronaldo foi estupendo. Lionel Messi foi comum. Portugal e Argentina tiveram o mesmo resultado. Um empate heróico e um empate devastador. Todos esperam Portugal nas oitavas. Muitos desconfiam da Argentina na próxima fase. Cristiano Ronaldo já fez o suficiente nesta Copa para ganhar mais uma vez o prêmio de melhor do mundo. Quase ninguém acredita em Portugal. O título será uma surpresa maior que a Eurocopa. Uma façanha que nem o gigante Eusébio conseguiu. De Lionel Messi espera-se apenas o título. Pode vencer os 'os outros duelos' contra Cristiano Ronaldo. Pode fazer muitos gols. Transformar a 'água em vinho', subverter a lógica do fracasso, inventar um finalista. Se não for campeão, será um símbolo da derrota. Para os argentinos sempre menor que Maradona, Kempes...
Nenhum comentário:
Postar um comentário