"Às vezes, o ídolo não cai inteiro. E, às vezes, quando se quebra, a multidão o devora aos pedaços".
Poucos
entenderam a alma e a poesia do futebol como Eduardo Galeano. Como
gremista sinto que devorei Renato em fatias para ser mais cruel. A
crueldade foi maior comigo do que com ele.
Mauro Antônio Pandolfi
Me
senti estranho. Nunca antes na história do Grêmio a demissão de um
treinador abalou as minhas convicções, certezas, imaginários. Naveguei
entre a tristeza da queda do ícone com racionalidade dos péssimos
desempenhos do time dos últimos anos. Poesia ou realidade? Foi a dúvida
que marcou meu fim de semana. O Grêmio tornou-se um pastiche dele mesmo.
Pouca coisa. Quase nada. Nada lembrava o melhor Grêmio de minha vida.
Renato Portaluppi foi o artífice e também o demolidor daquele time
envolvente. Não soube se reinventar. Sugou a força vital daquele time
até a última gota. E, terminou num arrodião de um certo Independiente
Del Valle, que jogou feito aquele Grêmio de 2017. Rodou a bola, brincou
com jogo, conectou tempo e espaço, exatamente como o belo Grêmio de Luan
e Arthur. Por instantes, por ilusão, por desejo, vi Arthur e Luan
jogando no outro lado. Era só um engano. Meu e de Renato. Era só o fim
de um tempo, ciclo, era, como quiserem chamar. Para um gremista, Renato
jamais será um treinador vulgar. Não é a estátua que o eterniza. É o
jogo que o torna gigante, imenso, imortal. A estátua apenas fornece a
sombra para uma selfie.
2017 é o ano que nunca
terminará para um gremista. Está tatuado na alma, nas memórias.
Eternamente jogará no imaginário teatro de grama e paixão que move a
vida. Ou, num Campo de Sonhos, como no filme. O melhor Grêmio que vi
jogar. O mais envolvente, o mais sedutor. O time que provocou um exílio
voluntário. Em dias de jogos, nada fazia. Somente esperava o tempo
passar para a ver a grande arte. Deixer de ir ao cinema, visitar os
amigos, passear na praia só nos domingos de manhã. Assinei o Premiere
para ver todos os espetáculos. Curti como nunca aquele Grêmio. Nem as
derrotas provocavam tristezas. Queria aproveitar cada minuto daquele
momento que sabia ser êfemero. O tempo e a vida perpetuam a alegria, a
poesia do jogo, a beleza, a emoção, só como saudades. E, como dói esta
saudade!
A
cada ano que passou o Grêmio foi se diluindo, até se destruir por
completo. Perdeu
a inspiração, a organização tática, a ousadia e se tornou um time
banal, desorganizado, frágil, perdido em conceito tático desconstruído,
que Renato fingiu, ou ignorou, não perceber. Neste tempo, a 'multidão'
trucidou
jogadores, comissão técnica, dirigentes.
Massacraram jovens, como Bressan e Ramiro. Nem o genial Luan escapou da
'fogueira'. Medalhões decadentes, descompromissados, jogadores comuns
não sobreviveram. Quem arcou com o fracasso milionário? Os ultimos
torrados foram os promissores Jean Pyerre e Pepê. Perto da 'fogueira'
estão Matheus Henrique e Alisson. O último queimado pelos 'savonarolas' -
nós, os torcedores - foi Renato. Desde aquele 5 a 0 do Flamengo, Renato
foi devorado, em fatias, ano após ano, derrotas após derrotas, vexame
após vexame, para ser mais cruel, para doer mais nos gremistas. Num
sadomasoquismo que não consigo entender. Teria sido amor, esperança ou o
ódio por imolar o ídolo eterno tão devagar?
Renato
Portaluppi foi quem me mais provocou ilusões no teatro, aquele
que embala sonhos, de grama e paixão. O mágico que brincou com um balão
mágico e encontrou a sábia cabeça de Cesar e bailou, em vez de
filosofar, com alemães numa madrugada/manhã em Tóquio. Tão encantador
que tatuei seu nome na alma e na vida. Faz a dupla, com o libertador do
Grêmio dos anos vermelhos, André, no nome de meu filho mais velho.
Escrevendo este texto, tentando fugir da emoção, de um suposto
sentimento de culpa, descubro que a queda não foi um adeus. Foi um até
breve. Não sei! Espero que não! É dolorido demais devorar um ídolo.
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